Marcelo Veiga pensava futebol pela defesa e tinha estilo “raiz”
Conhecido pelas fortes retrancas teve também um quê de manager no Bragantino
Difícil pensar em Marcelo Veiga e não pensar em Bragantino ao mesmo tempo, afinal são 516 jogos, em 6 passagens do treinador e muita história dentro do clube. Ele foi campeão da Série C de 2007 pelo Massa Bruta e também era o treinador no acesso em 2018, este que colocou o time na Série B e criou o interesse da Red Bull em ir atrás do Bragantino e fazer a parceria com o clube. Isso curiosamente acabou selando o último trabalho dele no clube em 2019. Com a chegada da empresa de energéticos ele deixou o clube para a chegada de Antônio Carlos Zago, que veio do Red Bull Brasil.
Marcelo Veiga nasceu em São Paulo, em 7 de outubro de 1964, e morreu em Bragança Paulista nesta segunda-feira de dezembro, 14, de Covid-19 a doença que mexeu com o mundo em 2020 e levou também um dos treinadores mais “raízes” do futebol paulista. Antes de ser treinador foi lateral-esquerdo e passou por Santos, Portuguesa, Goiás, Internacional, Bahia, entre outros. No Colorado, foi campeão gaúcho e da Copa do Brasil, ambos em 1992.
Veiga Jogador
Como lateral era um jogador que aparecia bastante ao ataque e tinha um chute forte. O melhor momento dele dentro das 4 linhas foi no início dos anos 1990, quando defendeu o Santos que era treinado pelo Pepe. O time da Vila Belmiro era o time do pai dele, que morreu antes de vê-lo jogar pelo clube do Rei Pelé.
Ao lado de Paulinho McLaren fez sucesso e foi para o Internacional de Porto do Alegre em 1992 onde conquistou a Copa do Brasil o maior titulo dele como jogador. Não chegou a vingar por lá, foi reserva a disputou só 13 partidas, mas fez amigos.
“Jogava nas duas laterais, com muito boa qualidade técnica, bom chute, passe e drible.” Comenta Antônio Lopes, técnico do Internacional em 1992.
Celio Lino era lateral-direito do Internacional e conta ao blog que o Marcelo Veiga, ele e outros jogadores que tinham vindo do estado de São Paulo gostavam de se reunir para cantar e tocar musicas caipiras.
“A gente sempre se deu bem, era uma pessoa de fácil amizade. Era um amigo que eu tinha no futebol.” Conta Celio. “Marcelo Veiga sempre foi uma figura humana exemplar, bom caráter, correto, sério e disciplinado.” Explica Antônio Lopes.
Treinador e história com Bragantino
Virou treinador em 1999 pela Matonense. Passou por vários clubes até chegar ao Bragantino em 2004. Em 2005 subiu da Série A-2 do Paulista para a elite do Paulistão. Ele começou a trilhar sua história neste momento, mas o maior feito veio em 2007. Quando foi a semifinal do Paulista e venceu a Série C do Campeonato Brasileiro.
Naquele time ele já mostrou as credenciais dele e o método Veiga de montar equipes. “Era um time muito aguerrido e competitivo. Os jogadores atuavam com muita intensidade na marcação. Era um time muito forte fisicamente e de estatura” conta o radialista Tárcio Cacossi da 102 FM de Bragança Paulista.
O time atuava em bloco baixo, esperando o contra-ataque e apostando nas bolas paradas. “O Marcelo Veiga trabalhava muito tanto a transição rápida quanto as bolas paradas. Cobrava muita objetividade e atenção dos jogadores.” explica Tárcio. “Ele priorizava um time com 3 zagueiros muito altos e fortes, dois alas muito rápidos, um volante muito marcador, outro volante mais técnico e ágil, um meia técnico, um atacante de velocidade e um centroavante forte e alto”. completa.
“Bola parada a gente sabe que decide jogo, e o Veiga acreditava piamente nisso e treinava e trabalhava constantemente esse fundamento nas duas fases do jogo. Principalmente no dia anterior ao jogo, dava-se ênfase no treinamento das bolas paradas já de acordo com os estudos feitos do adversário seguinte”. Explica Felipe Lopes, analista de desempenho de Veiga no Bragantino em 2018.
Dos jogadores haviam alguns destaques. “Gléguer trouxe muita liderança para defesa, o Thiago Vieira, zagueiro e capitão (era o mais técnico da defesa), o André Gaspar (tinha uma qualidade muito grande na bola parada), o Davi (às vezes meia e às vezes atacante, muito rápido e técnico) e o Valdir Papel (muito tranquilo no ataque). De todos, para mim o melhor mesmo era o Davi. O Somália, era um coringa, muito voluntarioso, era volante, mas se precisasse era ala, meia ou até atacante” comenta Tárcio.
Foi neste período que ele começou a ganhar prestígio em Bragança Paulista e que foi ficando amigo do presidente Marco Chedid. A confiança era tanta que ele chegou até a acumular funções fora de campo. Ele teve participação na contratação de jogadores e no projeto de modernização do estádio Nabi Abi Chedid. Ele passou até a dar nome a um dos lanches do restaurante famoso que fica dentro do estádio.
– Ele (Veiga) tem uma participação fundamental na vida do Bragantino, desde 2004. Foi peça fundamental na história do Bragantino. Se não tivesse ele ao nosso lado, não teríamos alcançado o que alcançamos. Ele conseguia ter a filosofia da diretoria, sabia das dificuldades do clube e sabia as dificuldades dos atletas. Sabia fazer muito bem esse meio de campo. Meu pai chamava ele de filho — Contou Marco Chedid a rádio 102 FM de Bragança Paulista após a morte de Veiga.
Por esse trabalho fora de campo e o número de jogos, era comparado por alguns torcedores e jornalistas com o treinador escocês Alex Ferguson. Veiga era o “Ferguson do Interior”.
“Veiga transitava por todos os setores, desde a lavanderia até a presidência e todas as contratações passavam pelo crivo dele. Como não havia muito dinheiro para investimento no Bragantino ele sempre contava com algumas apostas, muitas que deram certo” comenta Tárcio.
Nessa época de sucesso confessou mais tarde que chegou a negar propostas de Corinthians e Santos. Foi nesse período também, e um pouco depois, ajudou a revelar alguns nomes de destaque como Paulinho, Romarinho, o zagueiro e o goleiro Felipe.
Campeão no Botafogo-SP
Em 2015, ele voltou a repetir o feito de ser campeão nacional por times do interior. Desta vez foi o Botafogo de Ribeirão Preto. Ele levantou a taça de campeão da Série D do Brasileiro dentro do estádio Albertão, em Teresina, com 40 mil torcedores do River.
E o título veio da maneira dele. 3×2 na ida em Ribeirão Preto e na volta o Botafogo segurou um 0x0 na usando a forte retranca de sempre.
“O ponto forte do time do Botafogo sem dúvida era o jogo defensivo, no deulo contra o River, onde o 0x0 garantia o título, ele chegou a tirar o Nunes, que era atacante, camisa 9, para colocar um volante.” comenta Raul Ramos assessor do Botafogo-SP naquele período. “Era um treinador que sabia jogar com o resultado e aquele elenco comprou essa ideia. Todos conseguiam jogar em quase todas as posições. Lembro que um exemplo disso foi o Diego Pituca, naquela Série D ele jogou em todos os setores, menos no gol” completa.
Aquele Botafogo tinha o goleiro Neneca, que fez história no Santo André e no América-MG, Vitinho que depois foi jogador de Veiga no Bragantino e o Diego Pituca, este mesmo que hoje defendo o Santos. E também o Cesar Gaúcho, que aos 37 anos, depois de ser campeão da C pelo Massa Bruta, veio vencer com Veiga no Botafogo em 2015.
“Tanto ele como o Sidnei tinham uma relação de muita amizade com o elenco e com a comissão. O Veiga sempre foi um treinador que cobrava muito nos treinamentos e nos jogos, mas fora desses horários era um cara muito próximo e parceiro. Muito diferente daquela cara de bravo que tinha na beira do gramado.” explica Raul sobre o comportamento de Veiga fora de campo.
Capítulo final no Bragantino
Em 2018 Marcelo Veiga voltou pela 6ª vez ao clube. Já muito conhecido pela torcida e pela família Chedid, foi o escolhido para após um quase rebaixamento para a Série D de 2017.
“Ninguém apostava muito na gente, o time tinha acabado de subir para a primeira divisão do Paulista e no ano anterior quase caiu para a Série C. Mas, desde o inicio, quando nos apresentamos, o Marcelo Veiga colocou isso como objetivo. Ele montou o time com os jogadores que ele conhecia e montou uma família. Foram inúmeras dificuldades, mas um grupo muito forte e comprometido.” Comenta Alex Alves, goleiro do Bragantino no acesso da Série B em 2018, e hoje reserva do Red Bull Bragantino.
Logo quando Veiga chegou montou o velho estilo dele na equipe. Recuou o time, apostou em duas linhas de 4 bem próximas e no jogo de marcação em bloco baixo. Com perseguições longas de defensores e muita pegada. Tinha Guilherme Mattis no comando da zaga e na liderança da equipe. E em Alex Alves o salvador de baixo das redes.
Na frente Matheus Peixoto era o típico centroavante que tocava pouco na bola, mas aparecia para disputar as bolas de cabeça e dentro da área para arrematar em gol. Vitinho, era o meia de ligação, ajudava na marcação, mas era o mais criativo na frente. Os passes eram sempre diretos em busca do gol.
O Marcelo Veiga era um cara de muitas convicções, essa confiança, poucos tinham. Claro que uma defesa sólida e segura sempre foram características marcantes nos trabalhos dele, mas o mesmo tipo de atenção era dado a todas as outras posições na montagem de um elenco. Um time combativo e entendedor que um bom sistema defensivo começa com os que jogam lá na frente, deixa a linha de zaga menos vulnerável e mais eficiente, esse era o conceito que norteava os trabalhos dele. Explica Felipe Lopes, analista de desempenho de Veiga no Bragantino em 2018.
O diferencial daquele time era a força defensiva, era a “retranca”. O time foi crescendo na Série C e nas quartas de final, no jogo do acesso, eliminou o Náutico. Venceu na ida por 3×1 e depois garantiu o acesso com um empate na volta, em Recife. A partida de ida foi vencida com um gol de contra-ataque e dois de bola parada. Futebol pragmático, reativo na veia, estilo Veiga.
Marcelo Veiga tinha o lado dele de proximidade com os jogadores, o técnico era amigo do grupo, com o estilo da velha turma de treinadores, o chamado “paizão” que sempre funcionou no interior de São Paulo. “Ele tinha um coração enorme, não era apenas um treinador na beira de campo, fazia questão de fazer um churrasco e reunir os jogadores. Termos um momento família. Lembro que antes do jogo do acesso a gente estava concentrado e antes da viagem fez a gente tomar um café da manhã com todos os familiares e funcionários do clube.” Conta Alex Alves sobre o lado dele fora de campo que ajudava a criar uma “família” entre os jogadores.
Em 2019, o Bragantino tinha um dos times com menor investimento na Série A1 do Paulista. Brigou para não cair depois de perder algum jogadores que subiram na C. O time não caiu e diante da Ponte Preta foi eliminado no Troféu do Interior no jogo que marcou o fim da trajetória de Marcelo Veiga no Bragantino e também do Clube Atlético Bragantino como independente.
A partida seguinte já foi contra o Brasil de Pelotas na Série B, com camisa, jogadores e o técnico vindo da Red Bull — o nome e o escudo permaneceram ainda até dezembro de 2019, mas o comando da equipe já era da empresa austríaca.
“O Marcelo Veiga foi ídolo da torcida praticamente unânime até 2007… A partir de 2008 começaram algumas contestações em relação à postura da equipe, considerada mais defensiva e alguns torcedores queriam mais do time. Sempre foi muito respeitado acima de tudo, porque era muito dedicado no clube. Em 2018 ele virou praticamente unanimidade de novo, primeiro pela boa participação da equipe no Paulista, mas principalmente pelo retorno do time à Série B.” afirma Tárcio da 102 FM.
Veiga marca o fim de uma era do Massa Bruta, do time do interior, que sem muito poder financeiro jogava o futebol futebol da raça, do suor, de pegada, retranca. Num clube onde passaram Vanderlei Luxemburgo e Carlos Alberto Parreira, ele acaba sendo um dos maiores nomes da história do clube e vai deixar muita saudade em Bragança Paulista.