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Algoritmo – Os sinais – Primeira Parte

Mauricio Andrade

O primeiro sinal veio na forma de uma imagem no espelho. Por debaixo da feição atordoada, maquiada, tatuada e padronizada, havia um rosto. Tenho certeza que, inicialmente, mesmo as caretas e expressões mais estranhas, havia um rosto humano, e tenho a impressão de que era eu. Mas como um sinal que insistia todos os dias em se repetir, acreditei que era apenas coincidência, nada além de uma consequência normal do algoritmo, o guia. Engendrado com perfeição para totalizar o número de identidades correspondentes a cota estabelecida para essa altura da existência.

O segundo sinal veio de uma forma mais estranha, pois foi uma sensação sem nome que me impulsionou a questionar o motivo pelo qual eu era obrigado a todos os dias a expor minhas atividades, para incentivar a outros a ser como eu, mesmo e embora eu não soubesse quem sou. Porventura desse questionamento, percebi que também buscava diariamente a exposição de outros para que eu pudesse seguir, convicto de que faço parte de um grupo, seja ele qual for, definido pelo sagrado algoritmo.

Havia naquela semana uma atividade grupal, dentro da minha faixa de idade, cultura, apreço político e espiritualidade. Cheguei cedo, embora houvesse algumas pessoas preparando tudo. Um deles levantou o braço e saudou quase eufórico:

— Salve o algoritmo!
— Salve, respondi, ponderadamente. Acho que eu não queria estar ali, embora estivesse com muita vontade de socializar naquele dia.

As pessoas começaram a chegar e percebi que era o evento errado. Eles falavam “neonoma”, uma forma totalmente nova de usar as palavras, e eu ainda não era fluente nisso. Foi então que veio o terceiro sinal.

Percebi que alguma coisa estava se perdendo no contato com outras pessoas. Será que o algoritmo havia se enganado e me enviado para o lugar errado, será que ele havia errado minhas preferências? Impossível. Eu duvidei do algoritmo e me senti culpado. Esse foi um sinal profundo de que eu poderia ter algum defeito genético, mas isso implicaria em algo pior, de que o algoritmo falhou no sequenciamento genético, na seleção, e eu era um pária.

Eu duvidei do algoritmo e me senti culpado

Três estranhos sinais ao longo da semana. Isso estava estranho demais. Todos agiam segundo uma coordenação de pensamento, ideia e emoções perfeitamente alinhadas. Nossos recursos sociais, as coisas que deveríamos combater, como os que não nasceram sob os auspícios do sagrado algoritmo, gente que sonhava, dançava e misturava-se racialmente sem nenhum critério. Por um momento, por um breve momento, eu me senti assim. Era um péssimo sinal.

O quarto sinal veio naquela noite, antes de eu dormir. Terminei minhas atividades do dia, e tomei meus suplementos químicos neuro-ativadores. Sentei-me na cama, fiz o sinal do algoritmo e liguei a tela de minha rede de compartilhamento. Comecei a navegar pelas ordens sugeridas por “Algui”, a inteligência companheira. Foi então que olhei sobre a mesa e vi um pacote que eu havia ignorado, havia chegado logo cedo. Levantei-me, abri o pacote e dentro havia algo que me estremeceu. Era um livro, um livro antigo. Nele havia uma página marcada, e nessa página, um trecho grifado: “Uma vida não questionada não merece ser vivida.” (Platão). Confesso, nunca tinha ouvido falar de Platão, mas essa frase foi o bastante para eu aceitar que algo estava errado. E que livro era esse?

Seja como for, secretamente comecei a me questionar sobre meus sentires, sobre por qual motivo os sinais começaram a aparecer, ou será que sempre estiveram presentes e somente agora eu os havia notado? Esse dia estranho não teria conclusão, eu sabia que isso era o início de alguma coisa. Outros três sinais poriam minha vida de cabeça para baixo, e me fariam ter outra visão sobre o algoritmo. Logo, tudo que eu precisava era coragem. Antes de prosseguir, eu lançaria a pergunta: será que outros também estavam recebendo sinais? E se estavam, questionaram o sagrado algoritmo? E você?

Mauricio Andrade coordena a AldheyaTerra – Consultoria de Relações Humanas e Projetos Humanitários

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