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O crepúsculo – Algoritmo – Segunda parte

Mauricio Andrade

Nada é tão estranho que não possa se tornar mais, quando você se apercebe da estranheza das coisas. Esse foi o próximo sinal que me perturbou diante da ideia de fazer parte de um projeto de inércia social, mascarado de falsas necessidades. Afinal, por qual motivo eu precisava de uma centena de aplicativos que me mantivesse ocupado, a ponto de muitas vezes não ver o dia passar, mesmo em meio ao trabalho.

Foi quando numa tarde de outono, por acaso, observei o pôr do sol, a luz batendo em meu rosto, o céu vermelho carmim, nuvens enigmáticas, como um quadro maravilhoso, enquanto todo o resto das pessoas, apressadas caminhavam com seus dispositivos conectados ao olhar. E, sabe lá mais o que, esse foi outro sinal que me perturbou imensamente. O algoritmo nunca havia exposto essa sensação.

Por fim, enquanto observava o céu, tive uma súbita compreensão, indefinida e súbita, como se os sinais daqueles pensamentos nada tivessem a ver com o algoritmo. E não tinham. Me vi destacado de tudo e de todos. Será que outros haviam recebido esse sinal, será que naquele fugaz pôr de sol havia mais do que simplesmente as cores da atmosfera? Esse foi o último sinal que me fez inspirar profundamente e sentir uma paz, diferente da sensação estimulada por imagens repetidas e roteiros “imbeciladores”, que disparavam a serotonina e controlavam a forma dos jovens se comportarem em seus breves vídeos. Caminhando adiante vi um sem-teto, sentado, olhando para o céu e sorrindo. O que é isso, o que está havendo? – pensei chocado.

Congelei, parei diante da cena que me embeveceu, e ao mesmo tempo contrastou com os sentidos. Gritei! Fiquei ofegante, hiper ventilei, até que senti uma mão no meu ombro e uma voz dizendo:

— Calma irmão, calma, vem sentar aqui comigo e respirar. Respira! Era ele o sem teto, que sem precisar, entendeu: eu estava me afastando do algoritmo. Ele me deu água, me acolheu na calçada, e sem que eu dissesse uma palavra, seu olhar profundo no rosto sujo, transmitiu a mesma paz do pôr de sol. Quando sentiu que eu estava melhor, outra vez, me ajudou.

— Vai para casa irmão e desliga tudo, desliga tudo e se liga em respirar. Atônito, segui, sem sequer agradecer, mas ele já sabia e se despediu com um sorriso e um abraço em meia lua.

Em casa, refletindo sobre todos os sinais, e com tudo desligado – somente a luz da cidade –, pensei profundamente: não somos produtos do meio, porque não somos um produto, e se tudo se trata disso, então, é muito sério o que nos motiva a seguir dia a dia. Se há centenas de anos temos nos comportado como se assim fosse, é pelo fato de sempre ter existido algum tipo de algoritmo, em mãos ocultas, mas não é assim que se justifica a existência. Hoje, todos temos a opção de olhar para o pôr de sol, ou continuar sem identidade, ser o número que nos ajusta na sociedade. É preciso uma revolução, mas não em termos da guerra que é motivo para sermos parte da equação, mas que nos faça olhar o pôr de sol, de qualquer ponto onde estivermos. A vida precisa ser questionada, não para os criadores dos algoritmos, mas o porquê, o céu nos chama, por quê?

Hoje, todos temos a opção
de olhar para o pôr de sol,
ou continuar sem identidade

No passado eram os deuses, e hoje, sem perceber, esses mesmos deuses se manifestam com outra roupagem, o deus mercado, o deus sexo, o deus fama, o deus guerra, o deus vício, o deus mentira e ilusão, e tantos outros deuses. Não se iluda, eles existem, só não são estátuas em museus. Eles são o algoritmo, com seus peões operando a manipulação de tudo aquilo que pensamos e desejamos.

Quando os deuses não são reverenciados, eles perdem seu poder sobre nós, mesmo e apesar de ainda vivermos no mundo. E eu precisava urgentemente encontrar todos que viram os pores de sol, eu não podia ser o único, tenho certeza. A jornada apenas começava, e ainda que minhas elucubrações fossem demasiadas para um único dia, eu sabia: não queria mais servir, nem me permitir guiar pelo algoritmo. Seria perigoso, e só com o que eu podia contar era com a crença de que haviam outros. Será que você é um deles?

Maurício Andrade coordena a AldheyaTerra – Consultoria de Relações Humanas e Projetos Humanitários

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