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Você é neta do Suassuna?

Para Anaís

Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver. Ariano Suassuna

Crédito: Acervo da família Suassuna

Juliana Gobbe

Entre palhaços, profetas e reis, Ariano Suassuna atravessou com palavras as profundezas do Brasil. Difícil estabelecer nessa obra os limites entre o erudito e o popular. Através dos matizes da sua verve literária, foi desvendando a alma nordestina num processo único de criação.

O homem que escreveu O Romance d’A Pedra do Reino sabia das mazelas e delícias humanas, assim foi também com o Auto da Compadecida. Nas águas divisoras do riso e do choro, nosso autor com nome de santo, de alguma forma, como bem asseverou Rachel de Queiróz, sublimou pelas palavras a morte trágica de seu pai João Suassuna, pois de certo modo o infeliz ocorrido marcaria para sempre a sua vida.

Importante ressaltar que, desde a idealização do movimento Armorial em 1970, a obra do escritor paraibano influenciaria várias linguagens artísticas, como a dança, música, literatura, cinema e até mesmo a arquitetura.

A Ariano devemos a amálgama da cultura brasileira, estabelecida pelas contradições e abismos entre ricos e pobres, vencedores e perdedores. Em Suassuna encontramos os espelhos que convergem nossa imagem no ideário da terra brasilis embebida pelo cantar do povo.

Quem trabalha com cultura no Brasil sabe ouvir em decibéis agigantados as vozes profícuas das ruas, das gentes esquecidas e, hoje mais do que nunca, sabe também enxergar um acelerado apagamento de tudo o que nos enraíza na poética da existência.

E os trabalhadores da cultura, como eu, terão também algumas boas histórias para contar. Hoje relembro uma delas ocorrida em 2014 (ano da morte do nosso autor). Vamos a ela:

Numa manhã fria, estava eu “mastigando vento” (metáfora roubada de um ilustríssimo autor das minhas relações) sentada nas dependências externas da Faculdade de Educação da Unicamp, quando ao longe avistei uma outra moça. Logo me animei e a chamei para sentar perto de mim. Afinal, ela estava sozinha numa manhã esquisita e eu que costumo conversar com pássaros, borboletas e formigas, não poderia deixar alguém de minha mesma espécie…sorvendo o silêncio do tédio matutino.

Nos apresentamos, ela disse seu nome: Anaís. Depois desse diálogo de aproximação, deu-se um outro meio rotineiro e casual, sobre profissão e aqueles assuntos dos quais tratamos quando conhecemos alguém. Nada de muito profundo, conversa leve que ia se abrindo junto com o sol naquela quinta-feira. De repente eu e Anaís enveredamos pelos caminhos da cultura e eu disse a ela que trabalhava aqui em Atibaia como professora, mas também com cultura popular, através do Coletivo Abraço Cultural. De forma muito tranquila, a jovem Anaís falou: Meu avô também trabalha com cultura popular lá no nordeste. E eu nem sei explicar o que me levou a perguntar, mas perguntei: Como se chama seu avô? Ela calmamente me respondeu: Ariano Suassuna. Eu respirei fundo, e incrédula disse: Você é neta do Suassuna?

Depois disso, o que era um pequeno rio, transformou-se em um mar de risos. Anaís teve que me provar através das fotos presentes no seu celular que era mesmo uma integrante da família Suassuna. Alguns anos se passaram, mas jamais me esquecerei do dia que eu conheci a neta do grande autor.

E sem querer aqui apossar-me de pretensão, penso que é ele um pouco da nossa família também, pois Ariano é parte de um país que clama pela volta do riso, da arte e da emancipação humana. Estamos em sua obra e, certamente sua obra está em nós!

Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim e À esquerda do Império (2017). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso” e os coletivos Abraço Cultural e Kalúnia.