O adeus da Voz
Juliana Gobbe
Em 9 de novembro o Brasil perdeu uma de suas maiores vozes. Não é à toa que João Gilberto disse a ela ainda na Bahia, nos idos dos anos 60: “Você é a maior cantora do Brasil”. Numa de suas entrevistas ao programa Roda Viva da TV Cultura, ouviu de João Marcelo Bôscoli que sua mãe: Elis Regina sempre dizia: Gal é a maior cantora do Brasil.
Isso não é pouco, pois são duas figuras geniais reverenciando o talento único de Maria da Graça Penna Burgos Costa, Gracinha ou Gal Costa. Reza a lenda que D. Mariah tinha a certeza de que estaria grávida de um menino e ele seria um grande músico, por isso ouvia todos os dias música clássica para influenciar o futuro bebê. A mãe errou o gênero, mas acertou em cheio na musicalidade. Ouso afirmar que se analisarmos toda a história do país, ainda no início fortemente influenciada pelos sons europeus, observaremos que Gal é fenômeno raro, não só pela voz cristalina e inconfundível, mas pela postura única como artista que nunca parou de se reinventar, jamais aceitou o aspecto morno e ordinário da indústria fonográfica.
Durante a ditadura, enquanto Caetano e Gil estavam no exílio em Londres, a artista enfrentava os coturnos aqui com sua música. O clássico show Fatal de 1971 é prova disso, com clássicos como: Coração Vagabundo, Vapor barato e Luz do Sol, Gal imprimia sua personalidade ousada não só na interpretação, mas também no seu jeito de se vestir, lançando moda num estilo próprio e repleto de contestação.
Em 1994, sob a batuta do diretor Gerald Thomas em show no Rio de Janeiro, na costumeira postura irreverente, mostrou os seios ao cantar Brasil de Cazuza.
Nunca se furtou das opiniões públicas, pois costumava dizer que através de sua estética mostrava que sua arte era política.
Ao traduzir Gal, Caetano disse que ela falava pouco, pois sua intenção sempre foi cantar e através do canto, mostrar a força da sua inventividade.
Nos últimos anos, dedicou-se a renovar seu repertório, e, generosamente cantou com os artistas da nova geração.
Ficamos órfãos Gal! Perdemos sua presença, mas em nossa memória seu canto permanece como as águas do mar da Bahia, aguçando nossos sentidos e apurando nossos melhores sentimentos.
Aqui deixo o coração dessa sua fã que ao te escutar aos 12 anos, cantando “Faltando um Pedaço” de Djavan, vislumbrou ali que essa seria a trilha sonora de uma vida toda.
Hoje eu só peço que sua voz em seu “segredo e sua revelação” permaneçam entre nós. Obrigada Gal!
Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim e À esquerda do Império (2017). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso” e os coletivos Abraço Cultural e Kalúnia.