Sobre desenhos no quintal, folhas e ipês em flor
Marcelino Lima com foto de Andreia Beillo
O trabalho que dá é como enxugar gelo: afinal, todo dia há lufadas, e, logo menos, o pentear do vento voltará a deixar tudo como estivera ontem, folhas e gravetos aos montes, com o agravante de que o inverno, quente e seco, parece mais uma vez estragado: não chove e a longa estiagem ajuda a juntar terra e areia, o que dificulta a faina; serão as temidas mudanças climáticas? Contudo posso contar que o quintal ficou limpinho, bem mais agradável para o madraço dos vira-latas e dos arcades gatos que levam ao extremo o lema carpe diem. Pena que não sou hábil para desenhar, do contrário, com os sulcos traçados pelos frisos do rastelo, deixaria gravuras no terreiro varrido: ontem vi um vídeo de um artista estrangeiro que aproveita telas de televisores descartados e, apenas observando uma imagem previamente escolhida e impressa em um papel, com um martelo e leve batidas, calmamente reproduz à perfeição o rosto de alguém. No filme que assisti, ele esculpiu Michael Jackson com impressionante semelhança nos traços.
Em plena estação que seria para estarmos colocando mais lenha na lareira e nos aquecendo com caldinhos quentes e outras delícias típicas a pele racha pela falta de umidade natural, a chave seletora do chuveiro nem precisa estar sobre o tom mais vermelho-alaranjado da escala de temperaturas. Mas o veranico tem lá suas belezas. As esquinas de São Roque inteira, por exemplo, estão tomadas por exuberantes ipês floridos; aqui, no meio do mato, casinhas acolhedoras ganham a rima de árvores de todos os tamanhos que cresceram ou se alongam junto às porteiras, ao lado de janelas pintadas de azul e branco e lagos. As exibidas explodem em amarelo, o olhar, recortado, emoldura-se em uma aquarela. Onde as flores já caíram, vistosos tapetes se estendem, efêmeros, posto que são pétalas, mas de dourado intenso enquanto duram…
Folhas juntinhas
Que só o vento as separe
Já bem amarelinhas
haibun#
Marcelino Lima é jornalista profissional formado pela PUC-SP e editor do blog Barulho d’Água Música, dedicado à produção independente. Divulga gratuita e exclusivamente músicas de artistas populares, de viola, de raiz, folclóricas e regional com trabalhos pouco conhecidos ou já consolidados e de qualidade que poderiam ter maior destaque na mídia comercial.