AtibaiaCulturaExclusivasNotícias

Nasce Poeta do Chão – O triste fim de Policarpo

Juliana Gobbe
Imagens: Ricardo de Paula

O historiador Murilo de Carvalho em sua obra A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil, evidenciava o quão forte é a manipulação do imaginário social em períodos de significativas mudanças políticas e sociais. Assim foi na passagem do Império para a República e é nesse movimento contraditório da história brasileira, que nasce Lima Barreto (1881 – 1922).

Entre a decadência do Império e a necessidade da República como força histórica, mas sobretudo com os ímpetos da industrialização, a pressão inglesa para a libertação do povo negro escravizado, no intento de acelerar novos processos de escravização, somando-se a isso outros povos, forjou uma época de acentuada produção literária. Entra em cena, o jovem Lima Barreto, que segundo sua biógrafa Lilia Schwarcz, vislumbrou pelos meios da educação uma forma de autonomia para um brasileiro pobre o que definiu sua literatura como arma em relação às denúncias de uma época complexa. O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma vivenciou em primeira pessoa o boicote oriundo dos setores sociais privilegiados, devido a sua postura ao não silenciar a miserabilidade na qual viviam as minorias. A obra barretiana carrega em seu germe um Brasil ainda enviesado nas mazelas de sua formação oligárquica e patriarcal. Na primeira década do século XX, o país passaria por muitas mudanças, destacando-se aqui o ideário positivista, as renovações da linguagem, na tentativa de extinguir os modismos europeus na iniciação do apreço pelas coisas da “nossa” terra. O movimento pré-modernista, do qual Lima é percussor, mostrou um outro Brasil ao povo, num momento de muitas lutas e poucas glórias.

Importante ressaltar aqui que Lima Barreto também foi vítima da tragédia manicomial brasileira, um modo primitivo de encarceramento do diferente, instituindo-lhe a “loucura” para inutilizar uma mente brilhante e ameaçadora ao poder vigente.

Em Nasce Poeta do Chão – O triste fim de Policarpo, legítimo teatro de rua, produzido pelo Grupo Arcênicos, atuante em Atibaia desde 2006, pudemos apreciar uma leitura original do clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma. A peça itinerante foi encenada em escola e diversa praças de Atibaia por 6 vezes, o teatro chegando ao povo, como deve ser.

Em cena, os atores Thiego Torres (abaixo, à esquerda) no papel de Policarpo, André Raimundo (acima, à direita) no papel de Lima Barreto e Anastácio (caseiro de Quaresma no livro) e Durval Mantovaninni representando a nova república em sua face obscura entre Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

Em atuação ímpar, Thiego trouxe ao público um Policarpo ingênuo na ânsia da valorização da cultura brasileira, reivindicando o tupi como língua oficial, pleiteando mudanças que favorecessem de fato o povo brasileiro.

Já em voz irônica e contestadora, o personagem Lima Barreto vivenciado por André Raimundo dá o tom da realidade em que os escritores denunciam, mas não propriamente podem mudar com seus romances os rumos da história de um país, tragicamente marcada pelas mãos impiedosas da ganância e da exploração. A trilha musical também é assinada por André Raimundo.

Durval Mantovaninni ao trazer a República e seus políticos, traz também ao público a reflexão sobre as nossas frágeis instituições, sempre delineadas por uma democracia capenga e beneficiadora dos ricos e poderosos.

A peça Nasce Poeta do Chão – O Triste Fim de Policarpo é um importante registro de dado momento histórico que com suas devidas variações ainda se perpetua na sociedade. A violência exaurindo sonhos e legitimando o extermínio da nossa cultura.

 Salve Lima Barreto! Salve Arcênicos!

Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim, À esquerda do Império (2017) e Os primeiros tempos da literatura atibaiense (2024). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso”, os coletivos Abraço Cultural, Kalúnia e participa do Coletivo André Carneiro.