Por dentro do jogo – Jeitinho brasileiro? Não!
Passou da hora de tratarmos alguns assuntos de frente. E isso não quer dizer que sejamos contra ou a favor, mas somente que é preciso debater a questão com a responsabilidade merecida. E, para isso, é preciso a sobriedade para além do campo do jogo.
Ontem, 25, o auxiliar de Abel Ferreira, suspenso, em coletiva, afirmou que as aplicações das regras de futebol na partida em que o Palmeiras perdeu teve o “jeitinho brasileiro”.
Apesar de todo o contexto do jogo, das marcações questionáveis em quase todas as rodadas, não se viu esse questionamento quando a marcação foi favorável ao Palmeiras.
Sim, pessoas erram. Sim, podem estar mal treinadas, menos focadas pois não se dedicam exclusivamente à arbitragem. E essa interferência é apenas uma pequena parte visível da questão. Contudo, hoje, foi além pois incluiu a nacionalidade do país em que se trabalha.
Quando inúmeros treinadores estrangeiros chegaram ao Brasil, alguns profissionais brasileiros levantaram questões sobre a equiparação de condições de trabalho, tais como a mesma ‘paciência’ sobre o tempo de maturação do trabalho e da validação da licença brasileira também no exterior. Eles foram dizimados por boa parte da mídia e da opinião pública que se permitiu apenas uma leitura rasa das reinvindicações.
Diante dos fatos, o que podemos entender – apesar de a Seleção Brasileira ter contratado recentemente um técnico estrangeiro – é que competência não possui uma nacionalidade específica. Muitos estrangeiros vieram e não vingaram. Muitos não possuíam carreira de sucesso antes e a conquistaram apenas aqui. Fatores que não foram determinantes. Entretanto, a condição em que se permite desenvolver um trabalho costuma dizer muito sobre o resultado que pode entregue. E muitos desses que chegaram gozaram de uma condição privilegiada em relação à maioria.
E, tratando disso, o profissional alviverde vivenciou uma condição raramente vista quando consideramos a equipe técnica dos clubes da primeira divisão. É claro que houve resultado. Muitos títulos por sinal. Mas dificilmente o ano de 2024 teria sido perdoado se fosse um outro profissional. Porém, em nenhum momento ocorreu qualquer questionamento quanto à sua nacionalidade. Pois isso tem que ser indiferente. Porque capacidade de reagir e de reinventar um trabalho não tem uma nacionalidade estrita.
Então, qual foi a diferença que não resultou em demissão? A diferença pode ter sido apenas um projeto profissional do clube, convicções com base nos resultados já entregues. Algo que nos foge como esfera de comunicação. Mas que nos traz de volta quando o assunto é o ‘jeitinho brasileiro’.
Treinadores brasileiros se dissessem o mesmo no exterior, com a mesma correlação, trariam para si qual tipo de questionamento? Comportamentos e falas de profissionais estrangeiros têm sido mais compreendidos se comparados com um treinador brasileiro? Por que motivo, se o fazemos, seguimos fazendo?
Será que estamos mergulhando no campo cinzento do duelo em que – no campo do jogo e na guerra de estratégias – vale tudo? A se comparar com outros esportes de elite, ao futebol se permite muito mais que no vôlei e no tênis. Mas por qual razão? Quais profissionais queremos para desenvolver nosso esporte? Somos realmente de alto rendimento?
Para termos um produto melhor, precisamos entender que não é no grito, na provocação, em comportamentos apaixonados que cresceremos ou mudaremos a realidade que não é boa para todos. Seguindo assim, teremos apenas cortinas de fumaça. E essas são, geralmente, para disfarçar e distrair.
O erro de hoje, que na minha opinião houve, existiu também em um jogo em que o Barcelona eliminou o PSG na Champions. Existiu a favor de quase todos os clubes nos anos em que este mesmo profissional está nessa mesma agremiação. Mas, hoje, o problema não esteve apenas relacionado ao jogo. Incluiu-se um país inteiro no debate. Um Brasil que carece de tantas coisas precisa mesmo ser justificativa para uma derrota? Eu entendo que não. E cabem aqui muitas reflexões.

Bruno Velasco
Formado em Jornalismo pela UVA – Universidade Veiga de Almeida (RJ), possui experiência em documentário, fotografia, rádio e produção de conteúdo pela Agência ZeroUm, SP.