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Dia Mundial da Alfabetização representa a luta por educação de qualidade no país

Larissa Ferraz*

Os efeitos da pandemia na educação intensificaram um problema de muitos anos no Brasil: o analfabetismo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11 milhões de brasileiros não sabem ler e escrever. O pensamento do professor e filósofo Demerval Saviani nos remete ao desencadeamento da pandemia da Covid-19 em março de 2020, quando instituições de ensino obrigatoriamente interromperam suas atividades presenciais e moldaram-se em atividades remotas. Segundo ele, “desde que o homem é homem ele vive em sociedade e se desenvolve pela mediação da educação. A humanidade se constituiu a partir do momento em que determinada espécie natural de seres vivos se destacou na natureza e, em lugar de sobreviver, adaptando-se a ela, necessitou, para continuar existindo, adaptar a natureza a si

No Dia Mundial da Alfabetização (8 de setembro), a reportagem conversou com Allan de Souza e Maria Eduarda Cardoso, professores da rede pública de ensino infantil. Na conversa, foram apontados os impactos da pandemia, a mudança e dificuldades no ensino remoto e a quebra da rotina escolar, assim como a insuficiência de políticas públicas para a construção de uma educação inclusiva a todos.

Professora Maria Eduarda no seu primeiro dia em uma sala de aula

Maria Eduarda Cardoso é estudante de pedagogia e professora no Sistema de Ensino Anglo Jales, fundado há mais de 70 anos por professores a partir da prática da sala de aula. A pandemia veio para “quebrar” a principal essência do trabalho de Eduarda: o convívio com os alunos. A falta de interação proporcionada no ensino remoto prejudicou não só alunos, como também pais e professores. “É evidente o atraso escolar que a pandemia causou na Educação Infantil, tanto em questões cognitivas quanto emocionais”, afirma ela. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece o que deve ser feito para melhorar a educação no país, o Brasil deve zerar a taxa de analfabetismo até 2024. 

Para Eduarda, a educação pública no país caminha para outro lado. “Estou diariamente em contato com o ambiente escolar. O analfabetismo no Brasil já é um problema antigo, devido a imensa desigualdade social e a falta de incentivo na educação. Para que o analfabetismo fosse resolvido em apenas dois anos, teríamos que presenciar uma forte valorização do trabalho escolar e planos para fazer com que as pessoas queiram estudar” aponta. A professora não é muito otimista e aponta questões estruturais que impedem a concretização desse sonho. “O cenário atual do país não é esse, pois muito não tem a opção de frequentar a escola, e precisam trabalhar para não passar fome.

Professor usa música para fortalecer autoestima de alunos – Reprodução – TV Globo

Educação como arte 

“Visualizei dentro da educação uma possibilidade de fazer um trabalho diferente, que trouxesse a bagagem do mundo que eu tinha, aliado a arte”. É assim que Allan de Souza, professor no Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Professor Carlos Falseth, descreve o porquê da escolha da profissão e a busca de um método que vá alem do ensino convencional nas escolas.

Ele trabalha a autoestima, valorização e acolhimento com seus alunos. Foi através dessa essência de ensino que Souza viralizou nas redes sociais com música sobre valorizar todos os tipos de cabelo. ​

“O meu cabelo é bem bonito. É black power e bem pretinho. O do João também é bonito, é amarelo e bem lisinho. O da vitória é uma gracinha, cor de chocolate, feito de trancinha. O do Ricardo é muito legal, é bem crespinho e é natural. Muitos formatos, vários cabelos. Não tenha medo, se olhe no espelho. Ele representa a sua identidade. Ninguém vai tirar a minha liberdade”, cantam as crianças.

Mudança, já!

“Falar de políticas públicas é chover no molhado, tanto se fala, mas não temos uma solução de fato. Os governos não priorizam a educação”, afirma o professor sobre o colapso do analfabetismo no país. Antes da pandemia, tínhamos 15,5% dos estudantes com níveis abaixo do esperado para a idade de alfabetização. Ano passado, esse percentual subiu para 33,8%.

Das mais de 5 milhões de crianças sem acesso à educação na pandemia no Brasil, cerca de 40% tinham entre 6 e 10 anos

Além do aumento, estudos mostram que os maiores afetados sãs crianças negras e pobres, pois são as que chegam no ambiente escolar carregando a violência e desigualdade “das ruas”. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Educação 2019), 71,7% dos jovens que estão fora da escola são negros, e somente 27,3% destes são brancos. O mesmo aumento ocorre nos índices de analfabetismo. O percentual de pessoas brancas de 15 anos ou mais era de 3,6 em 2019, enquanto entre as pessoas negras o índice chega a 8,9%.

Gráfico representando os jovens fora da escola. Fonte: PNAD 2019 – IGBE Arte: G1

A esse respeito, o professor afirma que a pauta racial está presente, mas é excluída das decisões governamentais, e complementa: “a maioria da população preta estuda nas escolas públicas desse país, e essa maioria estuda num sistema precarizado, que sucateia os espaços de educação desse país”.

Larissa Ferraz é acadêmica de Jornalismo da UNIFAAT.