Azul ou vermelho? Grupos anônimos nas redes sociais transbordam machismo e misoginia
Grupos formados por homens que se denominam Red Pill é um espaço seguro para disseminação de preconceitos e pensamentos radicais
Aline Moreira
“A única utilidade de uma mulher é para a relação sexual, e para isso existem outros meios como a bronha ou as garotas de programa, mas a bronha é de graça”. Esse tipo de comentário é propagado em grupos privados de “Red Pill” no Facebook. Esses grupos vêm crescendo muito nos últimos anos, conseguindo mais destaque com participação em podcasts e nas redes sociais.
Baseado no filme Matrix , onde o personagem Neo precisa escolher entre duas pílulas – a vermelha que o fará enxergar a realidade do mundo, ou a azul que o deixará viver em um mundo falso – a ideia de libertação foi deturpada e utilizada por homens, revoltados por cada vez mais perderem seus privilégios pelo avanço da mulher na sociedade. Dentro desse contexto, a pílula vermelha revela que a sociedade, na verdade, é controlada por mulheres, e que os homens são os oprimidos. Para eles, inclusive, as próprias mulheres sofrem com esse sistema, visto que nunca conseguiram ser felizes se não se casarem ou forem castas.
A união desses homens deslocados da sociedade criou o grupo Red Pill, também chamado de Machosfera. Lá, eles compartilham dicas de como se comportar em um relacionamento com mulheres. Essas comunidades também funcionam como válvula de escape para derramar todos os seus preconceitos em um ambiente seguro e sem filtros.
Ter pelos, usar barba lenhador, ser ogro e saber controlar a violência que existe dentro de si , essas são algumas das características que os participantes do grupo Machosfera Red Pill usam para descrever como um homem deve ser. Outro participante comenta em outro post: “tudo que fazem é a descaracterização do homem. A desvalorização do homem tradicional e a valorização do ‘novo’ homem moldado pelo progressismo: afeminado, sem valores, sem padrões, sem respeito”. Para o professor de filosofia, Bruno Pereira, esse medo da desvalorização do homem tradicional vem muito de movimentos contemporâneos que valorizam a mulher e grupos antes oprimidos e marginalizados perante a masculinidade tóxica. Eles acham que estão tão perdendo espaço. Pereira explica esse sentimento de ódio. “Então, é o medo de derrotas sequenciais, como se fosse uma derrota de um time: quanto mais o time perde, pior fica, mais agressiva a torcida fica, mais bestial se torna o comportamento”.
“Com certeza, as bonecas reais, além de não FEDER, sem estrias, saem mais baratos que vocês”. A misoginia é uma grande pauta desses grupos. Em um post no Tumblr (plataforma de postagens que permite aos usuários publicarem textos, imagens, vídeo, links etc.) por uma página do Twitter que conta com mais de 15 mil seguidores, o autor lista 30 red flags (sinal de alerta ou perigo) femininas, alguns dos pontos levantados são ter tatuagens visíveis, ter pai ausente, ser mãe solo e ter amigos gays. Na visão de Pereira, eles querem uma mulher para oprimir, para obrigar a fazer as coisas que eles acham que a mulher deve fazer para tratá-los como heróis. Uma escrava, uma posse, algo para mostrar que possuem. “Agora, talvez, odeiem porque não conseguem mais ter a posse e o controle. Até tentam, mas querem uma parceira que seja obediente”, complementa, sobre a relação de amor e ódio.
Para a psicóloga Paola Oliveira, essas atitudes podem ter várias causas e origens, e cada indivíduo pode ter motivações e experiências pessoais diferentes que os levaram a adotar essas crenças. No entanto, é importante reconhecer que experiências traumáticas – incluindo traumas de infância – podem afetar a maneira como uma pessoa percebe e interage com o mundo. Traumas passados podem contribuir para a formação de crenças distorcidas, desconfiança generalizada em relação às outras pessoas e dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Esses fatores podem, em alguns casos, influenciar a adesão a ideologias ou movimentos que promovam o ódio ou a misoginia. “Embora não seja possível generalizar, em alguns casos o movimento Red Pill pode oferecer uma sensação de acolhimento e valorização para homens que enfrentam baixa autoestima e insegurança”, completa Oliveira.
Grupos como esses são prejudiciais para os próprios participantes. “Depois que conheci a ‘red’, fiquei um tanto quanto complexado. Provavelmente não conseguirei mais ter um relacionamento na minha vida.” diz um dos participantes. Oliveira explica que as consequências emocionais e sociais de se envolver em um grupo de ideias extrema podem incluir isolamento social, dificuldades nos relacionamentos interpessoais, aumento da raiva e frustração, reforço de estereótipos prejudiciais e impacto na autoestima e bem-estar emocional.
Algumas das características para identificar um Red Pill são a desvalorização das mulheres, visão de relacionamentos baseada em poder e controle, dificuldade em aceitar a igualdade de gênero, propagação de teorias de conspiração e incitação à violência ou ódio. Detectadas essas características, Oliveira deixa algumas dicas de como amigos e familiares podem ajudar. “Oferecer uma comunicação aberta, buscar entender as ideias do movimento, focar nos sentimentos e necessidades subjacentes, encorajar o envolvimento em atividades positivas e sugerir a busca de apoio profissional, como terapia, caso necessário”.
Ela observa ainda que, “no entanto, é importante reconhecer que nem sempre é possível lidar com o problema por conta própria e, em situações preocupantes, deve-se buscar ajuda profissional imediata ou entrar em contato com as autoridades competentes.”
A matéria foi produzida sob orientação do professor Osni Dias e compreende discussão de pauta, reportagem, redação, revisão e a publicação. Desejamos sucesso aos futuros jornalistas e boa leitura a todos.