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Os caminhos até a umbanda

Luana Gasparetto

“Amar ao outro como a ti o Pai mandou 
Trazer a paz a harmonia e muito amor 
A Caridade se precisam de você 
Espiritualmente irá crescer 
Foi na Umbanda 
Que a minha vida começou a melhorar…”

Como diz a letra deste canto umbandista, a religião afro-brasileira é conhecida por ter a caridade como seu principal fundamento e lei suprema, além da busca pela evolução espiritual como objetivo. A umbanda conta com ensinamentos passados de geração em geração, somados ao conhecimento e desenvolvimento humano e espiritual como o principal motivador.

Para alguns, a criação do culto à religião se deu em 15 de novembro de 1908, quando Zélio Fernandino de Moraes incorporou a entidade do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que instruiu a criação da umbanda. Para outros, essa história é inconsistente. Acreditam que a umbanda vinha sendo praticada por negros oriundos da África e seus descendentes em solo brasileiro, sendo hoje praticada em todas as regiões do país e até mesmo na América Latina.

A Umbanda
O nome “Umbanda”, traduzido do vocabulário quimbundo da Angola, significa “arte de curar”. Apesar de a tradução já dizer muito, definir a umbanda não é uma tarefa simples, mas a religião é resultado de uma mistura de crenças vindas do candomblé, espiritismo e catolicismo.

Existem diversas vertentes da umbanda e, em cada uma delas, a religião é desenvolvida de uma maneira. Geralmente, os umbandistas cultuam orixás, alguns santos da igreja católica e entidades como caboclos, pretos velhos, exus, entre outros. É conhecida também por ser uma religião que acolhe todos, sem preconceitos e julgamentos. Durante as giras, todos utilizam vestes brancas, como símbolo de igualdade.

A terapeuta Aline do Santos Cintra, de 39 anos, é atualmente mãe de santo e dirigente do Templo de Umbanda Estrela Divina, localizado em Extrema (MG). Para ela, a umbanda é a manifestação de Deus nas suas formas mais puras, “através do culto à natureza, do respeito, do amor e da caridade. Para mim, a umbanda é a representatividade de Deus na sua forma mais genuína”, completa.

Para os integrantes da corrente e filhos de santo da mãe Aline Cintra, a definição da Umbanda pode ser visualizada de diferentes maneiras, mas todos concordam que o amor e a caridade são os pilares de toda a definição da religião. Para Marco Antônio, a umbanda pode ser resumida em duas frentes. A primeira é a união da fé com a natureza e do universo com o ser humano, enquanto a segunda é a união da caridade com o amor, a razão do nosso trabalho, o porquê se vive bem e se sente satisfeito em fazer o bem”, explica Marco.

Já Thatyana Bonfim Rodrigues define a umbanda como transformação de vida. Para Claudio Monarin Jr., a caridade é o essencial. E completa: “ajudar o próximo, sem olhar pra quem, independente de qualquer coisa”. Segundo Daniela, a Umbanda é vida, é aprendizado, ela é amor, é irmandade, é viver o sagrado por inteiro”. E finaliza: “a melhor forma de você explicar a umbanda é mostrando a sua vida, quem você é, mostrando quanto aquilo te faz feliz, corajoso e completo, e o quanto você ama tudo”.

Assim como na maioria dos terreiros de umbanda, no Templo de Umbanda Estrela Divina a caridade é praticada através dos atendimentos. Todas as sextas-feiras acontecem as giras (como é nomeada a ritualística da umbanda), quando todos os tipos de pessoas são recebidas e acolhidas, como explica mãe Aline. “Os guias espirituais acolhem, aconselham essas pessoas, fazem a limpeza espiritual, o equilíbrio das energias, a desobsessão, os trabalhos de cura para a mente, para as emoções e para o corpo físico”. Segundo ela, nenhum desses atendimentos é cobrado.

O caminho
São muitos os caminhos que levam pessoas de diferentes lugares, culturas, ideologias e status social até a umbanda. Como motivos, vemos desde o descontentamento com a atual religião atual, surgimento de doenças ou até mesmo curiosidade.

A maioria das pessoas estão em busca de apoio e acolhimento por conta de algum sofrimento, como conta a mãe Aline. “Quando conseguem compreender de fato o que acontece no plano espiritual e conseguem se libertar daquele sofrimento, elas percebem que estar ali as faz evoluir, crescer como seres humanos, ter uma vida feliz, plena, mesmo com as dificuldades”. Monarin reforça que a umbanda é uma religião que acolhe a todos sem julgamentos e preconceitos. “É uma religião onde todos são bem-vindo e tem muito amor pra dar pra todo mundo que realmente tem interesse nela”. Independente de quem são, de onde vêm, se praticam outra religião ou não, se tem mais alguma outra fé, se são ricas, pobres, brancas, pretas, heterossexual, homossexual, não importa. “A gente sequer pergunta o nome delas”, declara Aline.

A mãe de santo Aline Cintra conta que conheceu a prática da umbanda há cerca de 16 anos, quando sofria de fortes crises de enxaquecas que não cessavam mesmo sob cuidados médicos. Por achar que a enxaqueca de Aline pudesse ter algum fundamento espiritual, seu irmão mais velho a convidou para conhecer o terreiro que frequentava. Aline conta que foi atendida por uma preta velha — entidades de luz de grande elevação espiritual que normalmente se apresentam como velhos negros que viveram no período da escravidão — e após o atendimento se livrou de suas crises de enxaquecas. “A hora que ela me abraçou, eu senti uma coisa que eu nunca tinha sentido na minha vida e, desde então, a Umbanda virou o grande amor da minha vida”, recorda Aline.

O primeiro contato de Monarin com a umbanda foi quando ainda estava no ventre de sua mãe. E perdurou por sua infância. “Tenho memórias de acompanhar minha mãe nos terreiros… Inclusive foi onde minha mãe descobriu a gravidez”. Ele conta que por muito tempo “fugiu” da umbanda por falta de disposição e conhecimento, tentou se envolver em outras religiões, mas nunca se encontrou, e hoje afirma com convicção: “a umbanda é realmente a religião que eu tenho pra mim, é onde eu me encontro, onde eu me sinto acolhido, é onde eu estou feliz e grato por estar toda semana”.

Antes de Marco Antônio ser umbandista, ele pertencia ao kardecismo. O caminho que o levou até a umbanda foi quando sua ex-esposa não estava bem e o casal foi até o terreiro da mãe Aline em busca de apoio e orientação espiritual.

Durante a pré-adolescência de Daniela, sua mãe era espírita e seu pai católico, o que a fez conhecer ambas as crenças e frequentar seus ritos, como ir às missas e as sessões espíritas. Daniela conta que começou a praticar o autoconhecimento, conheceu e praticou a bruxaria e depois entrou na umbanda. “Eu só percebi que bruxaria e umbanda caminham de mãos dadas. Ambos respeitam a natureza, respeitam ciclos da natureza. Então, na verdade, eu só entrei por uma corrente”.

Apesar de Tatiana ter tido seu primeiro contato com a religião ainda criança, quando sua mãe a levava em um terreiro, conta que já pertenceu ao Evangelho, no qual permaneceu por alguns anos, até seu reencontro com a umbanda.

A permanência
Fica claro que a permanência das pessoas que adentram na religião se dá principalmente pelo sentimento de pertencimento, como diz a mãe Aline: “as pessoas permanecem porque faz sentido”. Para Daniela, a melhor explicação do porquê as pessoas entram e permanecem na Umbanda é o amor e a identidade e completa “é uma espiral de crescimento, você não cresce sozinho, você muda e você transforma tudo que está ao seu redor”.

Um ponto muito importante lembrado por Monarin, é a questão de aceitação “as pessoas permanecem por se sentirem aceitas como elas são, por se sentirem acolhidas” Claudio completa “não tem coisa melhor do que um abraço de uma entidade, ou até mesmo um sermão de uma entidade, ninguém que chega lá precisando de ajuda sai desamparado”. Já Thatyana faz questão de lembrar o motivo que a fez permanecer na religião: “pela paz que ela nos traz, conforto, consolo e direção”. Marco Antônio afirma que “querer ajudar faz a pessoa permanecer”.

Em contrapartida, ainda existe uma parcela de pessoas que sentem vergonha de assumir que frequentam a religião como relata a mãe Aline. “Já atendi pessoas que pediram para que eu as ajudasse num dia em que não tivesse trabalho no terreiro, para que elas não fossem vistas”. O motivo deste receio pode ser, sem sombra de dúvidas, o medo, como diz Tatiana: “exatamente por medo desse preconceito”. Assim como Aline: “medo da represália, medo da intolerância religiosa, medo às vezes de como as pessoas vão lidar com isso”.

Há também quem frequente a religião de maneira escondida, como relata Monarin. “Porque ali é o último recurso que ela tem ou para conhecer, sempre vai ter alguém que está ali com um pouco de medo de descobrirem que ela está ali”. E acabam repensando muitas vezes antes de contarem para alguém. “Elas só admitem que são umbandistas quando sabem que a pessoa vai tolerar”, explica Marco Antônio.

O peso da intolerância
Ao analisarmos historicamente, vemos que a intolerância religiosa sempre se mostrou presente na sociedade. Durante o Império Romano, os católicos foram perseguidos. Na Idade Média, católicos perseguiram judeus e pagãos. E a partir do momento em que os europeus pisaram no território brasileiro, começaram a catequizar os indígenas e os negros que eram trazidos para serem escravizados.

Mesmo com a liberdade religiosa assegurada por lei e qualquer manifestação de intolerância religiosa ser considerada crime de ódio no país, praticar sua fé no Brasil pode não ser tão fácil assim. Principalmente quando falamos de umbandistas ou praticantes de qualquer religião de matriz africana. De acordo com um levantamento da Safernet, ONG que mantém uma central de denúncias de violações contra direitos humanos, nos primeiros 20 dias de 2023 o Disque 100, canal para denúncias de violações de direitos humanos, registrou 58 ocorrências relacionadas ao assunto.

A mãe Aline, que também é terapeuta, conta que já aconteceu de um paciente desistir da terapia ao descobrir que ela é umbandista. “Foi sutil, mas aconteceu”. Ela acrescenta também que é comum se deparar com comentários infelizes e preconceituosos. “Muita gente de outra religião tenta me convencer de que a fé deles é a única que realmente vale alguma coisa”, e completa dizendo que acredita que todos os umbandistas que falam livre e abertamente sobre sua religião acabam passando por situações semelhantes.

O ataque de ódio que Daniela sofreu como professora e umbandista também é um exemplo de como a intolerância ultrapassa barreiras no cotidiano. “Chegaram para a minha diretora e falaram: “eu não estou criando a minha neta para ter uma professora dessas dentro de uma escola particular, então vocês mandam ela embora ou eu tiro a minha neta”, conta. Marco Antônio relata que sua ex-namorada era evangélica, o que o deixava curioso para conhecer a religião, e quando decidiu ir a um culto, foi recebido com julgamentos. “Tentaram me convencer de uma maneira ruim que aquilo que eu acreditava era errado, falavam mal da religião e de toda essa linha”. Seja de forma cruel ou velada, a intolerância infelizmente é presente no cotidiano da maioria dos umbandistas, como diz Monarin, “é sempre uma pessoa que se afasta daqui, outra que não fala mais com você dali, tudo porque descobrem a religião que eu faço parte”.

Ensinamentos
Dentre os ensinamentos adquiridos através da umbanda, nos deparamos com inúmeros exemplos. Cada pessoa que adentra no universo da religião possui uma jornada de aprendizados diferente, com diferentes vivências e consequentemente, diferentes lições.
O aprendizado mais marcante para cada um é muito relativo, pode ser desde algo mais comum como para Aline, que apesar de declarar que a umbanda trouxe mais ensinamentos do que qualquer outra coisa em sua vida, diz que o maior ensinamento foi de fato a fé, nos guias, nos Orixás e em Olorum. “A fé de que tudo tem um fundamento e um propósito, a certeza de que eu só preciso seguir no bom caminho, porque tudo vai acontecer como tem que acontecer, para o bem e para a evolução”, explica.

Pode ser algo simples, porém muito significativo como para Thatyana. Ela conta que foi na umbanda onde aprendeu que a família é a base de tudo além de ter ganhado uma quando entrou para a religião. “Eu aprendi o que é ter uma família na umbanda na casa da mãe Aline”.
Como também algo mais específico como no caso de Claudio, que diz que o ensinamento mais marcante que adquiriu na umbanda foi uma frase dita por uma entidade, no caso, por um Exu — entidade de alta elevação espiritual vista como um guardião e protetor. “Por mais que você ache que o oferece não é suficiente, é o melhor que você pode oferecer naquele momento. Só garanta de estar fazendo o seu melhor, sempre”.

Ou até mesmo uma lição mais complexa como no caso de Marco Antônio e Daniela. Para Marco Antônio, o principal ensinamento foi aprender que cada um deve carregar apenas o peso dos seus problemas e não o dos outros. E completa: “se você ficar carregando o seu peso, mais o dos outros, você não vai para lugar nenhum”. Já para Daniela, o maior aprendizado que teve foi o de amar: amar a si mesma, amar os outros, sem medo ou receio. Daniela relata que “a Umbanda me salvou de mim mesma, eu era autodestrutiva e hoje eu sou feliz, hoje eu me reconstruí, me redefini, me reinventei, tudo isso quem me deu foi a umbanda, foi o amor dos meus guias”. E conclui: “acho que o maior aprendizado que eu tive na Umbanda foi amar sem medo”.

A matéria foi produzida sob orientação do professor Osni Dias e compreende discussão de pauta, reportagem, redação, revisão e a publicação. Desejamos sucesso aos futuros jornalistas e boa leitura a todos.