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Pandemia desencadeou aumento na busca pela saúde mental 

Transtornos mentais pós pandêmicos viraram uma das principais preocupações dos brasileiros

Jéssica Barletta

O número de pessoas com doenças mentais era grande até meados de 2019, como mostra os dados da Organização Mundial da Saúde já apontavam o Brasil como o que tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno.

Depois que começou a pandemia da covid-19, o número aumentou cada vez mais. Segundo a BBC, a saúde mental da população piorou 53%, ou seja, mais da metade entrevistada apresentou algum problema, destacando-se em um índice superior à média de 30 países que participaram da pesquisa.

A psiquiatra Gabriela Siqueira disse que “para as pessoas em geral, a pandemia alterou o padrão de vida, fez com que muitos desenvolvessem transtornos mentais.  O isolamento social fez as famílias conviverem em casa por muito tempo, o que gerou conflitos, separações, questões econômicas”. Além disso, houve o medo de apresentar os sintomas e contrair o vírus, o medo de perder alguém, o medo de a vida nunca mais voltar a ser a mesma, segundo ela.  “Um mundo dominado pelo medo, pela ansiedade, pela depressão e, para alguns, pela esperança e pela força.  O trabalhador sentiu-se ameaçado a perder seu emprego, a nunca mais voltar à rotina. Alguns dispensados, outros trabalhando em casa e outros ainda lutando contra a pandemia. Todos envolvidos pelo medo e pela ansiedade”, observou.

Já os idosos são uma classe da população que necessitam realizar suas atividades, se exercitarem e manter uma rotina para ter uma boa saúde física e mental, necessitam de convivência, cuidados médicos, atenção dos familiares. Por causa desses motivos, a pandemia mudou a vida deles, os quais sentiram-se abandonados, ficaram frágeis fisicamente e emocionalmente devido ao isolamento social e impossibilidade de realizar atividades da vida cotidiana. Além disso, essa mudança abrupta do padrão de vida causou depressão, ansiedade, distúrbios de humor de grande parte dos anciãos, diz a médica.

Uma pessoa pode ter sido exposta a várias destas situações ao mesmo tempo, o que eleva o risco de desenvolver ou de agravar transtornos já existentes.  Adaptar-se ao trabalho e ao ensino remoto foi algo que dependeu da classe social e condições financeiras que cada pessoa tinha, quais recursos possuía, e as informações que tinham.

Poliana: mais acometidos são jovens entre 18 a 24 anos, de baixa renda

A pandemia influenciou nas crenças, nos valores e nas atitudes das pessoas em relação a vida, a morte e ao futuro, segundo Poliana Guazelli. “Os impactos variaram de forma ampla, na economia, a perda de emprego, de parentes, aumentou a pobreza, crianças sem escolas. O Brasil está entre os países mais afetados e está se recuperando de forma desequilibrada, e consequentemente houve um aumento de doenças mentais, como a depressão, por exemplo. E os mais acometidos são jovens entre 18 a 24 anos, de baixa renda”.  

Para Siqueira, as principais estratégias de enfrentamento seriam: “o tratamento psicológico, terapia, mudança de comportamento, avaliação de uma psiquiatra para ver se há necessidade de introduzir psicotrópicos”.  Algumas estratégias para lidar seriam desenvolver, também, atividades em domicílio como atividade física, prática de leitura, melhorar interação social com familiares, apoio da rede familiar, controle financeiro, desenvolver atividades que sejam prazerosas como cozinhar, assistir filmes, pintar, entre outras, comentou.

As primeiras estratégias de enfrentamento para lidar com o estresse, a ansiedade e o medo causado pela Covid, segundo Guazelli, é “A.C.A.L.M.E-S.E”, descrita a seguir, criada pelo psicólogo e pesquisador Bernard Rangé, que é uma técnica eficaz na condução de uma crise. “Aceite as sensações geradas pela ansiedade. Elas são inesperadas, desconhecidas, mas também são passageiras. Lutar contra os sintomas só faz com que eles se prolonguem e aumentem o desconforto. Deixe que eles fluam até diminuírem e sumirem. Contemple o ambiente ao seu redor. Observe e descreva os objetos ao seu redor, bem como pessoas e outros elementos do ambiente externo. Deixe que o seu corpo lide com os efeitos da ansiedade, sem julgamentos. Aja apesar da ansiedade, tente continuar o que estava fazendo antes dela surgir, mesmo que em menor ritmo. Não tente fugir, isso pode levar a redução da ansiedade, mas pode também levar ao aumento do medo. Libere o ar dos pulmões, respire devagar, inspire pelo nariz contando mentalmente até três, leve o ar ao abdômen, segure o ar por mais três segundos e solte o ar lentamente pela boca contando até seis. Siga esse processo até perceber que o ritmo da sua respiração voltou ao estado normal. Mantenha o roteiro anterior até se sentir mais confortável. Examine seus pensamentos. É comum pensamentos catastróficos surgirem, observe seu diálogo interno e verifique racionalmente se seus pensamentos são possíveis de acontecer ou não. Lembre-se de que a crise de ansiedade é extremamente desagradável, mas ela passa e não coloca sua vida em risco. Sorria, você conseguiu passar pela crise, com seus próprios recursos, foi capaz de lidar com a ansiedade. Lembre-se de que você sempre poderá retornar a essa sequência quando necessário. Espere o futuro com aceitação, deixe de lado a ideia de viver livre da ansiedade, ela faz parte de todas as pessoas, aprenda a conviver com ela e a utilizar os recursos necessários quando a crise estiver mais intensa.”  

Mesmo seguindo orientações e cuidado com a saúde mental, podemos passar por situações que podem desencadear crises de ansiedade, estresse e até mesmo episódios intensos de pânico. Identificar os principais sintomas é muito importante para tomar as medidas corretas. Alguns dos sinais característicos de crises de ansiedade são: batimentos cardíacos acelerados, sensação de falta de ar, sudorese, tremores, boca seca, mãos e pés frios, musculatura contraída, dor de estômago e náuseas.

A busca por ajuda profissional é fundamental quando sofremos com a insônia, irritabilidade e desânimo, se persistirem por mais de duas semanas. Saúde é bem-estar, e está intimamente ligada ao comportamento dos indivíduos.

Aprofundar o valor e o compromisso que damos à saúde mental é importante, mas quais são os compromissos que devemos ter? Poliana diz que “é tão importante quanto a atenção que damos a saúde física. A prevenção engloba uma rotina saudável, com escolhas na alimentação, nas relações interpessoais, em dormir bem. Nesse sentido, o indivíduo irá aumentar seu autoconhecimento e percepção para identificar quando algo não está bem em seu quadro emocional e assim buscar ajuda profissional, e seu maior compromisso será se dedicar e seguir as orientações”.         

O número de pessoas que procuram o médico para fazer o tratamento é baixo. A OMS diz que “mesmo antes da pandemia, apenas uma pequena fração das pessoas necessitadas tinha acesso a cuidados de saúde mental eficazes, acessíveis e de qualidade”. Segundo a organização, 71% das pessoas com psicose em todo o mundo não acessam serviços de saúde mental. Enquanto 70% das pessoas com psicose são tratadas em países de alta renda, apenas 12% das pessoas com essa condição recebem cuidados de saúde mental em países de baixa renda. Durante décadas, a saúde mental tem sido uma das áreas mais negligenciadas da saúde pública, recebendo uma ínfima parte da atenção e dos recursos de que necessita e merece.

“Depois da pandemia houve um aumento significativo na procura clínica para psicoterapia. Os casos mais registrados são: ansiedade, depressão, alcoolismo e TOC. Atualmente, muitas pessoas têm a crença que psicólogo ou psiquiatra “é coisa de gente louca”. Por isso, pensam que não precisam de ajuda e muitos desconsideram que esses profissionais são pautados de técnicas especificas para ajudá-los. “Acreditam que esses profissionais são apenas para conversar”, diz Guazelli.

Em 2020, a OMS já alertava para a necessidade de manutenção dos serviços de assistência à saúde mental e ampliação dos atendimentos, e de investimento, demonstrando que transtornos são a principal causa de incapacidade no trabalho, nos estudos e no dia a dia das pessoas.

Para dar conta dessa demanda, diversas instituições governamentais e não governamentais lançaram iniciativas de acolhimento psicológico durante a pandemia. Na alçada legislativa, um projeto de lei que cria um “programa de atenção aos problemas de saúde mental decorrentes da pandemia de covid-19″, está parado na Câmara dos Deputados desde abril de 2021. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, também já anunciou que irá criar a secretaria de Saúde Mental dentro da estrutura do Ministério da Saúde ao assumir o governo em 2023.  

A psicóloga ressaltou como os postos de saúde, ambulatórios e hospitais não têm profissionais suficientes para atender a demanda da população e com isso, o agravo de pessoas já com desenvolvimento de doença mental teve um aumento exponencial. Focar em programas para prevenção seria a medida mais sensata do que esperar o adoecimento. Ela definiu como podemos melhorar o atendimento à saúde mental em Bragança Paulista ao relatar a necessidade de trabalhar com três fatores fundamentais: a prevenção, percepção e tratamento de condições psíquicas. “O desenvolvimento da capacitação e a contratação de profissionais se faz necessária para melhorar a Saúde do município, que está precarizada”, afirmou Guazelli.   

Já a médica Gabriela, diz: “primeiramente, o atendimento de saúde mental deve ser individualizado, ou seja, cada paciente uma forma de abordar e conduzir o caso. Além disso, deve-se ter empatia, criar vínculo para que o paciente se sinta confortável e confiante para se expressar e contar o que for necessário.”

Aprofundar o valor e o compromisso que damos à saúde mental é importante e fundamental. Para Siqueira, o compromisso é a forma como o profissional se posiciona em relação ao doente mental, a forma de abordar e o respeito mútuo para com ele.

Em Bragança Paulista, os números dos casos são incontáveis, a cidade trabalha com isso criando novos núcleos de apoio como o CAPS e atendimento em UBS para melhor atender a grande demanda sem que tenha muita espera.  

Segundo Siqueira, “o SUS fornece atendimento a todos os tipos de transtornos, porém, na prática observamos a dificuldade de alguns municípios de conseguirem atender toda demanda. Por isso, a maioria acaba destinando pacientes a centros de referências quando há necessidade de internação ou quando se esgotam os serviços do município em questão. Quanto as medicações, em sua grande maioria também são fornecidas pelo SUS”. 

Para melhorar esse cenário, são necessárias mudanças de atitudes em relação à saúde mental. Aumentar os investimentos na área, tanto em recursos humanos quanto em infraestrutura, melhorias estruturais e organizacionais nessa área.

A Covid impactou individualmente, de formas diferentes, cada grupo de pessoas. Tudo depende da classe social, dos recursos, da rede de apoio, das finanças, de como eram os vínculos daquela família antes de serem obrigados a viverem em isolamento social. No geral, a população passou por um momento de medo, insegurança, angústia, ansiedade, e isso influenciou de forma negativa na convivência, gerou pessoas mais estressadas e ansiosas, que tiveram que adaptar suas vidas ao novo mundo. 

O Correio de Atibaia publica uma série de matérias produzidas por alunos de jornalismo da UNIFAAT durante o primeiro semestre de 2023, coordenadas por professores titulares do curso como parte da avaliação de suas disciplinas.

Esta matéria foi produzida sob orientação do professor Osni Dias e compreende discussão de pauta, reportagem, redação, revisão e a publicação. Desejamos sucesso aos futuros jornalistas e boa leitura a todos.