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Pepi GM, artista plástico com deficiência, abre sua primeira exposição no Cine Itá

Prelúdio traz mostra de Pepi GM, com mais de 50 obras inéditas

No silêncio da chácara ouve-se um ranger de porta se fechando. A enfermeira surge – pedindo licença – no vão entre a cortina escura e um andador, para novamente se embrenhar porta adentro. É o momento em que Pedro Henrique se acalenta em seu pequeno espaço de criação, no intervalo entre o almoço e o descanso vespertino (são dois momentos religiosamente realizados ao longo do dia). Ali, distante dos olhos de todos, apenas acompanhado de um de seus anjos da guarda, ele se transforma em Pepi GM, incorporando a artista plástico escondido ou adormecido em algum canto de si. 

Pepi GM nasceu com atrofia muscular espinhal, mais conhecida como AME, doença neuromuscular que resulta da perda dos neurônios motores e progressiva atrofia muscular. Segundo a literatura médica, uma das principais causas genéticas de morte em recém-nascidos. Passou por cirurgias de correção, de postura e viveu momentos difíceis na vida, sobretudo na infância, quando da descoberta da doença degenerativa. Contrariando a estatística, chegou a ser conhecido como “Gordo” pelos familiares e conhecidos. O jovem artista conta que esboçou seus primeiros traços aos 8 anos de idade e, na adolescência, aos 16, se aperfeiçoou nas aulas de artes do colégio onde estudava. Depois disso, ficou muito tempo sem produzir.

Aos 20 anos, chegou a pesar 20 quilos, mas se recuperou e voltou a ganhar peso. Porém o maior ganho foi em criatividade. A pandemia, momento de incerteza em que todos experimentaram o isolamento, não trouxe muita dificuldade para Pepi GM, que já experimentava o confinamento em razão de suas dificuldades e da falta de mobilidade. O chamado “home office” trouxe a ele uma nova visão do mundo e Pepi colocou no papel todo seu veio artístico. 

A mudança de casa trouxe novos ares e novos desafios. O incentivo da família e a vontade de crescer e se embrenhar por novos caminhos fez o jovem artista experimentar vários caminhos, do giz de cera, passando pelo crayon, tinta a óleo, grafite, até a argila, sempre no caminho do expressionismo, com rostos que lembram negros escravizados, o banzo e suas agruras. Essa é a singularidade das obras de Pepi: um traço legítimo e material de um artista que coloca toda sua força num gesto sutil que passeia pelo papel em branco trazendo projeções de seu inconsciente e além que, ao toque de seus instrumentos de trabalho, dançam pela superfície. “Minha obra mexe com a sensibilidade das pessoas, o olhar de cada um. É como se elas tivessem pintado cada quadro elas mesmas”, revela Pepi GM.

Em 2023, a oportunidade: com a abertura dos editais da Lei Paulo Gustavo, uma janela se abriu e a chance de conquistar um espaço veio com a inscrição na modalidade “artes plásticas”. Com o auxílio da busca ativa, Pepi GM recebeu a visita de especialistas da área da cultura e desenvolveram, juntos, um portfólio artístico e reuniram toda documentação necessária para sua estreia no universo das artes, que acontecerá de 7 a 24 de agosto, no Cine Itá. 

A busca ativa foi o primeiro movimento na direção da inclusão e da representatividade. Mariana Farcetta e André Raimundo dos Santos são duas figuras marcantes neste episódio, além da presença e incentivo constante da mãe, Ana Gebara. Em texto de agradecimento, após um dos momentos emocionantes do encontro de duas almas sensíveis, no processo de reconhecimento e escolha das obras do artista, Mariana discorre, emocionada: “Equilíbrio, profundidade, contraste e alma, o trabalho encanta e convida para a contemplação, o ato de trazer para o templo, universos tão internos que parecem conversar com as paisagens daqueles que entram em contato com suas obras”.  

Pepi faz questão de afirmar que é um “eficiente físico”. Bem humorado e com uma capacidade extraordinária de raciocínio, diz que sua arte vem da alma. “O Palhaço” é um de seus primeiros trabalhos (acima) e um dos mais importantes para ele. A gravura foi feita em papel formato A4 (como boa parte de sua obra) com lápis crayon. O quadro retrata a emocionante história de um homem que trabalhava como palhaço de 1890 a 1920, segundo o artista. “Não penso no desenho quando estou pintando, só consigo ver o resultado depois que a obra está pronta. Às vezes perguntam o que pensei quando estava pintando, o meu processo, mas na hora só deixo fluir e depois cada um enxerga algo diferente”, conta o artista. O quadro estará no Cine Itá e foi feita uma reprodução em tamanho grande, feita especialmente para este momento.

A exposição será aberta em 7 de agosto, no Cine Itá Cultural, e não é mais uma mostra, como costumamos apreciar. É a primeira exposição individual de um artista PCD de Atibaia. Serão mais de 50 obras de Pepi GM distribuídas pelo espaço dedicado às artes, onde o visitante poderá apreciar todas as fases deste jovem talento. 

O trabalho foi produzido com recursos da Lei Emergencial Cultural Paulo Gustavo e o apoio da Secretaria Municipal de Cultura de Atibaia. O Cine Itá fica na Rua Visconde do Rio Branco, 51 – Centro, Atibaia. Ao lado da Igreja Matriz.