ExclusivasNotícias

Kuassytue: 50 anos de dedicação ao candomblé

Amaro José da Silva conta que é um cinquentenário de iniciação, obrigação e caridade

Por Osni Dias

Nascido em Pernambuco a 29 de agosto de 1949, filho de dona Virgínia e do seu José Luiz, foi o terceiro filho de seis irmãos. Ainda em Pernambuco, quando menino, alguns fenômenos espirituais o acometeram. Apesar disso, sua família, não adepta a religião alguma, não deu importância. O tempo passa e, aos 16 anos, Amaro migra para o estado de São Paulo, vindo a residir inicialmente no Guarujá e depois, após subir a serra, na capital. Durante este período, desde a sua chegada ao Guarujá, até 1971, passou a frequentar cultos evangélicos e, já tendo por mais de uma vez sentido fenômenos espirituais como aquele, ocorrido quando ainda menino, começa a perceber a presença de um caboclo.

Esses fenômenos o levam, num primeiro momento, à umbanda, mas num certo momento sente o forte chamado para o candomblé. Isso ocorre nos seus 22 anos de idade. Amaro recolhe-se em maio de 1972 e, passados 21 dias, sob os cuidados de Kaian Dile, nasce Kuassytue (digina). Após sua feitura, cumpre com suas obrigações de um, três, cinco, sete, quatorze e vinte e um anos, além de uma agrado ao inquice de nove anos.

O candomblé é uma das religiões mais cultuadas no mundo e tem no Brasil o maior número de praticantes. É de matriz africana, cultua os orixás, inquices, voduns, a depender da nação. Vem da junção das palavras quimbundo candombe (dança com atabaques) + iorubá ilê (casa), que significa casa da dança com atabaques. Tem por base a alma da natureza, na qual animais e plantas possuem espiritualidade.

Amaro explica que a nação Angola trouxe tudo, originalmente, ao Brasil, onde ocorreu a mistura de nações. “Trouxe as folhas, o atabaque, a esteira, tudo. E as nações precisam de folhas, são fundamentais. Sem folhas não fazemos nada”. A galinha d’Angola – Etù – representa o fundamento maior, e a expressão dessa importância é a pintura do iniciante simbolizando-a. Segundo a história, Obatalá é “O Grande Orixá” ou “O Rei do Pano Branco” na mitologia iorubá. É o criador dos humanos. É o Orixá da serenidade, paz e tranquilidade.

Conhecido e batizado no candomblé como Kuassytue, Amaro José da Silva mora no bairro do Tanque, em Atibaia. Ao seu lado, além de outro terreiro, duas igrejas: a Assembleia de Deus e o Evangelho Pleno. Ele explica que seu inquice é Mutakalambô Dandalunda e Kavungo (Oxóssi, Oxum e Obaluaê – Oba-rei + Luaê – terra –, respectivamente).

Há 50 anos esse senhor falante e sorridente se dedica ao sagrado. E foi assim, de braços abertos, que ele recebeu a reportagem do Correio de Atibaia em seu espaço sagrado.

Como foi seu início aqui em Atibaia?
Eu construí a casa neste terreno. A Casa já estava funcionando com as festividades aos inquices, mas a inauguração oficial se deu com uma iniciação, em 29 de maio de 1999. A casa, no dia 29 de maio de 2022 completou 23 anos. Então eu tenho 50 anos de dedicação ao sagrado. Até os 22 anos de idade não conta porque eu frequentava os cultos evangélicos.

Qual a diferença entre a umbanda e o candomblé?
Tem uma grande distância. A umbanda foi desenvolvida aqui no Brasil. Era proibida, a polícia chegava e batia quando ouvia o toque de tambor. Ainda hoje tem preconceito contra o negro, o gay, a lésbica, ainda tem aquela pressão. Nossa religião é a única que abraça todo tipo de pessoa, não tem distinção. As pessoas acabam se ambientando onde abraçam eles. Ah! Na umbanda tem incorporação de espírito e atendimento; no candomblé não há incorporação de espírito. Tem a energia do inquice (orixá).

Qual sua relação com o bairro?
A gente é muito bem aceito. Não tenho problemas! Um tempo estive como presidente da associação de moradores. Agora não quero mais. Sempre temos as obrigações aqui e as datas comemorativas com comidas para o “santo”.

O que significam esses 50 anos na tradição?
Eu acho que é uma vida. Eu agradeço muito a Deus e a Mutakalambô (Oxóssi) por ter chegado até aqui porque com a pandemia [que eu chamo de pandemônio] levou muita gente que eu conheço, minha família de sangue também, e nós estamos aqui. Daqui para frente eu pretendo nunca mais voltar pra trás. Não tenho palavras. Para mim é uma honra, uma gratidão. O que eu faço pelo sagrado não é pelo dinheiro. Não faço nada por dinheiro!

O que o senhor pensa sobre a ancestralidade?
Isso é muito importante. É muito gratificante também porque na religião eu não sou progressista. Na religião eu sou conservador. Estou aqui com minha simplicidade. Vou sim, usar meus fios, guias, panos de cintura, outros na cabeça, mas uso porque é tradição. Você é o que você é! O importante é conhecer a raiz da gente.

Sobre o preconceito, como lidar?
É falta de conhecimento. Principalmente pelos evangélicos. Não tenho nada contra, mas falo porque já passei por lá, fui frequentador da igreja evangélica por três anos. Para mim, cada um que tome conta de sua casa. Tomar conta da casa dos outros, aí não dá. A igreja se preocupa muito com a vida dos outros. Mas por que isso? A casa não é de Deus? O senhor passa lá; passa aqui também. O senhor escuta falar o que? “Satanás, demônio, pessoa de pouca fé e que precisa orar mais em Cristo”. O que é isso? O demônio faz parte da sobrevivência deles, da doutrina deles, porque se não tiver o demônio eles não têm nada.

O senhor acha que esse dom – que o trouxe até aqui – era uma missão desde a infância?
São 50 anos de dedicação, de iniciação, de obrigação, de caridade! Eu acho que sim. Os fenômenos espirituais por qual passei antes de vir para o candomblé eram por conta de meu guia, um caboclo. Na minha família eu fui o único em meio a seis irmãos a seguir na religão, eu vim para isso. Alguém da minha ancestralidade deixou para mim essa missão, acredito muito nisso.

Como é esse espaço, aqui onde estamos?
O terreiro é simples. Não tem imagem, não cultuamos imagens. É diferente, nossa imagem é na louça, no ferro e no barro. Atrás das cortinas tem o roncó (quarto de santo), onde as pessoas são recolhidas, que chamam de Iaô – na minha linguagem, o Muzenza. Aqui vem católico, evangélico espírita. Aqui todos têm livre acesso para vir quando quiser. O catolicismo e o candomblé são próximos, já os evangélicos te abraçam com a unha comprida para fincar nas costas.

O senhor é feliz?
Eu sou feliz com tudo isso. Fora o meu santo, que é o primeiro amor da minha vida, o carnaval é a segunda paixão da minha vida (risos).