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“A pé por aqui” – o alento do olhar

Juliana Gobbe*

“Quando eu nasci
o silêncio foi aumentando.
Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei – e fui salvo.”

 MANOEL DE BARROS

A contemporaneidade está repleta de caos. Nenhuma novidade. Entre cimento e pedras, vamos tecendo uma existência cercada pelo enrijecimento dos sentidos. Passamos pelas ruas no automatismo de passos que sempre sabem onde vão, mas o percurso segue ignorado pela pressa, e parece mesmo, que só esta nos comove ultimamente.

A nossa crise urbana, cujo o carro reina absoluto, vai aos poucos desestabilizando as nossas melhores sensações. Corremos. Cansamos. Sobrevivemos.

Entre buzinas e fechadas, desgastamos nosso olhar para encontrar as razões ou a falta delas para nosso modo de vida acelerado.

Nossos ouvidos estão também surdos. Não ouvimos mais os pássaros, mas eles com certeza, ouvem os nossos ruídos.

As texturas escapam ao nosso tato, tudo é liso, até mesmo as nossas faces, quando passadas pelos photoshops da vida.

Neste ínterim, uma jovem e talentosa fotógrafa parou para viver a cidade. Sim, Alline Nakamura tem vivido a urbe intensamente. Seus passos são cadenciados por um olhar genuíno de quem descobre o mundo em outras possibilidades, no entanto, com eles, nós caminhamos e revemos uma Atibaia cercada de luzes, sombras, fios e cores.

A pé por aqui poderia ser só uma exposição fotográfica, o que já seria o bastante para nosso olhar adormecido, porém, a nossa fotógrafa foi mais longe. Com imagens, ela poetiza o cotidiano, e de forma peculiar, tenta nos mostrar o que há tempo não enxergamos.

Em cada foto, encontramos a beleza do possível, nas contradições de uma paisagem real. Esse encontro nos comove, sobremaneira, pois trata-se das coisas que a atualidade já nos fez esquecer.

A fluidez das imagens impressas em tecido, nos convoca para a contemplação poética das fragilidades do dia a dia.

Alline Nakamura transborda poesia. O seu olhar, assim como o de Manoel de Barros, soube acolher a existência de um modo, que muitos de nós, já não sabemos mais. Vale a pena conferir esta belíssima exposição.

Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim e À esquerda do Império (2017). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso” e os coletivos Abraço Cultural e Kalúnia. As imagens são da autora.