AtibaiaEducaçãoExclusivasNotíciasSociedade

Das casas às salas de aula: o impacto da pandemia na alfabetização e letramento de Atibaia

No Brasil, apenas 43,6% dos alunos do 2º ano estão aptos a ler e escrever de forma autônoma

Lucas Oliveira

Tedros Adhanom, diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou, em 11 de maio de 2020, o estado de contaminação do novo coronavírus como uma pandemia. Por mais que a data das primeiras infecções no Brasil seja incerta, o impacto do vírus em todos os setores do país é uma certeza.  Por conta das dificuldades na elaboração imediata de um plano de ação em conjunto com a falta de recursos, a Educação foi uma das pastas mais prejudicadas tanto em nível Federal quanto Estadual e Municipal. Em Atibaia,  um déficit na alfabetização e letramento pode ser vislumbrado e entendido se direcionarmos nosso olhar ao impacto do ensino remoto, as técnicas de retomada adotadas pelo município e as causas desse problema.  

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), em 31 de maio, após a pandemia apenas 43,6% dos alunos do 2º ano estão alfabetizados — implicando que 56,4 % dos estudantes não estão capacitados a ler ou escrever de forma autônoma. Anteriormente, em 2019, 60,3% do corpo estudantil estava alfabetizado. Esses dados indicam que o Brasil passava por um processo de alfabetização, estabelecido gradativamente pelo primeiro Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa — instituído em 2012 pelo governo Dilma, que foi interrompido abruptamente pela pandemia. Em 2023, um novo Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa será elaborado pelo Governo Federal. 

Na pandemia
Em Atibaia, a alfabetização das turmas dos 1ºs, 2ºs e 3ºs anos foi realizada por meio de uma apostila elaborada pela Secretaria de Educação Municipal, aplicada pelas instituições de ensino da cidade e disponibilizada em plataforma online. Nela, pais e alunos tinham acesso a atividades destinadas a garantir a compreensão das competências essenciais para alfabetização.Apesar do cenário desconhecido, a Secretaria de Educação do município buscou estabelecer um ensino que pudesse amenizar os impactos do período pandêmico na alfabetização e letramento dos alunos.

Segundo a Secretaria, para alunos que não tinham acesso à plataforma online, os exercícios poderiam ser retirados nas respectivas instituições de ensino ou entregues nas residências de cada estudante. Também foi instruído o exercício de uma busca ativa constante para assegurar a resolução das atividades com o apoio de familiares. Realizados de maneira remota, eventos pedagógicos continuaram a ser incentivados pela Educação, especialmente a Jornada Literária — campanha que promove o letramento de crianças do ensino municipal. 

Fora as instruções do setor, professores também buscavam formas de inovar e garantir o processo pedagógico. O corpo docente entrevistado destaca a criação de plantões de dúvidas em aplicativos de mensagem, onde pais e até mesmo alunos puderam direcionar questionamentos sobre o conteúdo enviado, e a gravação de vídeo aulas destinadas à explicação da matéria. Com esses esforços, a alfabetização oferecida, mesmo prejudicada, poderia garantir o exercício do letramento ao ser retomada de maneira eficaz no retorno às aulas. No entanto, para alguns essa realidade não existia.

Durante a pandemia, alunos em condições de vulnerabilidade também participavam do ensino remoto oferecido pela cidade, contudo a busca ativa promovida muitas vezes não os alcançava. Em 2021, através de avaliações bianuais do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Atibaia alcançou 6,8 pontos nos anos iniciais (1º ao 5º). Segundo o Executivo, “a Educação Municipal se manteve viva e atraente mesmo com os desafios impostos pela pandemia”. No entanto, é importante salientar que isso passa longe de ser uma homogeneidade no município, especialmente ao levarmos em conta as diferentes instituições de ensino da cidade, diferenciadas por suas localizações, infraestruturas e realidades vividas individualmente pelos estudantes e  pela comunidade escolar.

Sem o equipamento eletrônico necessário para acessar a plataforma online e uma estrutura familiar preparada para auxiliar na resolução de exercícios, a alfabetização de alguns alunos não foi apenas comprometida, ela foi inexistente. Não havendo possibilidade apenas de uma retomada, e sim da recomposição da aprendizagem perdida.

Em movimento em cadeia, alunos não alfabetizados, especialmente os do 1º ano, retornaram às escolas sem o conhecimento base para continuar seu processo de aprendizagem, prejudicando assim a plenitude de sua vida escolar. Apesar dos esforços da Secretaria de Educação, esse cenário é resultado das desigualdades intrínsecas aos moldes da sociedade brasileira, refletidas na cidade de Atibaia, que foram agravadas pela pandemia. Diferentemente do que é pressuposto, o período pandêmico não causou um súbito déficit na alfabetização, mas expôs o resultado da falta de valorização do corpo escolar e de anos de sucateamento do setor. 

A retomada
Atualmente, as instituições buscam retroceder o atraso pela ampliação das aulas de reforço, política reforçada pela Secretaria de Ensino, por conta do  número de alunos não alfabetizados nos 4ºs e 5ºs anos (período pós alfabetização). “É como se estivéssemos falando outra língua”, apontam os profissionais do município. Para acompanhar o conteúdo programático dessas séries, é  necessário que o estudante saiba ler e escrever de maneira autônoma.

Abrangendo o 2º ano, as salas de reforço passaram a acolher 1200 estudantes, anteriormente atendendo 700 alunos do 4º ao 5º ano. Estabelecido no contra turno, o reforço oferece aos alunos prejudicados o conteúdo não assimilado durante o período pandêmico. Para reforçar habilidades prejudicadas, a Secretaria de Educação Municipal também adotou a recomposição de aprendizagem, propondo rever conhecimentos não adquiridos por conta da pandemia ao analisar individualmente as dificuldades de cada aluno e oferecer de maneira lúdica o conteúdo.

Técnicas como o agrupamento produtivo de pares aproximados também estão sendo empregadas pela Secretaria de Ensino do município. De acordo com a pasta, elas auxiliam no restabelecimento da alfabetização e letramento das crianças ao inserirem o corpo estudantil no processo de consolidação do conteúdo lecionado por meio da convivência social.

Segundo o diretor de pesquisa e extensão voltadas às áreas de gestão educacional do Centro Universitário UNIFAAT, Gilvan Pereira, não existe técnica perfeita para a retomada “Existe apenas um trabalho conjunto do corpo docente e da gestão”. Segundo Gilvan, a retomada deve ser pensada individualmente para atender as dificuldades de cada aluno.

Há necessidade de um ensino humanizado focado nos alunos e em suas individualidades, adaptando as técnicas de aprendizagem ao dia a dia de cada estudante. Pereira também destaca a importância da valorização do setor, de incentivos à Educação e do reforço do corpo docente ao sugerir a ampliação do quadro de professores para auxiliar na alfabetização e no lecionar pós pandemia.

A pandemia de Covid-19 foi responsável por acentuar as desigualdades socioeconômicas do Brasil e, consequentemente, de Atibaia. Além disso, os prejuízos causados pelo período pandêmico são refletidos no dia a dia da educação pública municipal ao compararmos com a realidade do ensino privado, que não tem a obrigação de rever o conteúdo já lecionado. Uma abordagem humanizada do processo de aprendizagem com a formação continuada de professores e com a inclusão de educadores auxiliares à alfabetização fazem parte de uma trajetória para a criação de oportunidades e desenvolvimento de um pensamento crítico no plano educacional. 

O Correio de Atibaia publica uma série de matérias produzidas por alunos de jornalismo da UNIFAAT durante o primeiro semestre de 2023, coordenadas por professores titulares do curso como parte da avaliação de suas disciplinas.

Esta matéria foi produzida sob orientação do professor Osni Dias e compreende discussão de pauta, reportagem, redação, revisão e a publicação. Desejamos sucesso aos futuros jornalistas e boa leitura a todos.