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1,2,3… (De como não chutar as pedras empilhadas no jardim)

Marcelino Lima

Ando incrivelmente zen e relax. Sepultei de vez a hiena Hardy que havia em mim, estou generoso comigo mesmo, apesar de estar escancarada a tampa do inferno neste começo de Primavera e da secura do ar deixar minha pele semelhante a uma folha de lixa para ferro grão 180, tamanha é a irritação e a coceira em partes como panceps, canelas e antebraços. E haja babosa, pomadinhas, óleo de girassol, loção soft milk e outros mimos sofisticados que a Mozuzu comprou e aplica delicada e deliciosamente (chlep!) em minhas áreas ressecadas depois de (mais) um banho, frio, sem contar o uso de máscara de algodão cobrindo a araca o tempo todo, até a noite cair e o ambiente tornar-se um pouco mais úmido.

(A mesma água que ao ferver endurece o ovo amolece a batata! Mas se à minha época de 8ª série no Fannyzão, na Vila Yolanda, ou de 1º colegial no Peixotão, na Bela Vista, bairros de Oz, as patotas com as qual eu “estudava” soubessem que hoje, sessentão, submeto-me a estes cuidadozinhos dela, ah: eu seria sumariamente expulso das “turmas do fundão”, com o aval do Tarcisão e do Ditão e aplausos dos inspetores, dona Rosa e seu Mário!)

Por falar em banho e em água, como mandam os figurinos, litros e litros goela abaixo têm ajudado a amenizar os efeitos do calorão e à hidratação, fica a dica. Bem, comecei digitando que estou xabariri nestes dias, entretanto preciso reforçar que atribuo este estado de espiríto e de ânimo muito, muito, e com louvor, ao entorno no qual passo os dias, à convivência com meus cães e gatos, à oportunidade de só ouvir boa música (agora está rolando o álbum Mar de Gente, regalo que a própria Gabi Buarque me enviou, lá da Cidade Maravilhosa!), ao abuso das saladas e de comidinhas leves, e, ah, evidente, aos cálices do ótimo vinho que descobri aqui em São Roque, sem conservantes – com extensos créditos, ainda, às sessões de terapia e alguns cuidados com o corpo; nem todo dia como, rezo e amo, mas ouço Pink Floyd! Ando, também, mais disposto, inspirado e criativo. Até recuperei a vontade de ler que andava preguiçosa. Ontem, antes de dormir, após um pouco mais de um mês, derrotei a última página (a 721ª) de O Pintassilgo, catatau que deu à autora, a norte-americana do Mississipi Donna Tartt, o Prêmio Pulitzer, lançado no Brasil em 2015, com tradução de Sara Grünhagen, pela Companhia das Letras. Fica mais uma dica!

Mas, vamos lá, de volta ao contato com a água e à minha versão “pode cair o mundo que eu mato no peito e saio para o abraço!” e ainda arrasto o Lippy comigo. Hoje, ao lavar algumas peças de louça, dei um talento na frigideira que a pessoa usara para torrar pães e largara “daquele jeito” na pia – contando, lógico, com minha silenciosa retribuição aos carinhos com os quais procura reverter a minha pele para o modo seda. Ao tentar colocar no escorredor a frigideira (tão limpa que daria para um bolsominion xiita perceber, enfim, seu lado idiota na própria fuça) deixei-a cair e já explodiria em praguejos quando, tocado pelo amigo imaginário que carrego em meu ombro esquerdo, segurei o impulso e, ato contínuo (sempre quis empregar esta expressão), resolvi contar até dez.

Corta para mim, close-up, contando, até dez, com ar angelical a olhar para o teto:
– Acabate, jaboticaba, pera, maçã, limão, uva, jaca, goiaba, laranja, ameixa…
E, depois, encerrada a contagem:

– Amora da carambola, melância do sapoti: vão tomar suco de umbu!

Do focinho ao rabo,
Um metro de gato à sombra –
Ah, mas que calor!

Mamão, abacaxi…–
E, para refrescar bem,
Água de jamaica.

#haibun

Marcelino Lima é jornalista profissional formado pela PUC-SP e editor do blog Barulho d’Água Música, dedicado à produção independente. Divulga gratuita e exclusivamente músicas de artistas populares, de viola, de raiz, folclóricas e regional com trabalhos pouco conhecidos ou já consolidados e de qualidade que poderiam ter maior destaque na mídia comercial.