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Termites (Ou Madeira que cupim não rói)

Marcelino Lima

Mais do que pernas estúpidas, Termites, com este nome de invertebardo, é rasa feito tábua, não pronuncia mais do que um paupérrimo vocabulário, não sabe cortar e nem temperar um prosaico tomate; um dente lhe falta onde começa o sorriso e apresenta, ainda, pronunciadas deformações na base do hálux — bursas que, além de dolorosas, impedem-na de calçar sapatos finos, por exemplo. Soma-se ao conjunto a desmesura pouco elegante por dobradinha, a gula por rabada (que ela come lambendo os dedos cujas unhas raramente esmalta e fazendo beicinhos, vez ou outra estalando a língua contra o céu da boca) e outros acepipes campeões de preferência do populacho em sujinhos, fora a tara por rabo de galo. Mas a moça, se carece de harmonia, altiva, não se deixa levar por galanteios, não se dobra a xavecos desafinados e se considera madeira que cupim não rói. E passou a alimentar as fofocas da paróquia, a afiar línguas de matildes, a pautar o trololó nas esquinas, pensões e alcovas, na areia da praia, nos plantões, à espera do trem, em biqueiras e vielas, pontes, viadutos, escadarias, atalhos, a bordo dos coletivos, nos puteiros e adjacências onde correm os comentários por recusar como o retumbante soar de irados repeniques e o brilho de fulgurantes sóis o convite que lhe fez o bicheiro, magnata que banca a escola de samba e o time do bairro e quebra a banca de quem não lhe apetece. Dom D’Arbanville queria a dama companhia em um final de semana na luxuosa casa de praia de Angra dos Reis. Embora a tenha chamado de mulher, à mesa do bar percebeu que ele chegara baboso e sorrateiro, dizendo que se topasse não lhe negaria nada; que seria, por exemplo, além de sua fiel, a eterna rainha da bateria da Vindoura e tão formosa ficaria vestida de cetim e lantejoulas, da cabeça aos pés.

Oh coisinha tão bonitinha, fulgurarás como fina flor, iluminada, oh broche de ametista para enfeitar as noites do tutumumbuca, do benemérito jabarandaia de luxuriosos haréns, caudilho mais verenado que o maior dos pajés e lordes! Se tirastes a sorte grande, seques a fonte de suas lamúrias, não me atires uma pedra, ah, não sejas inane, ai, não banques a rústica primata. Suspiro profundo: não era o mandachuva dos anelões encrustrados nos “seus vizinhos” e das correntes de ouro a envergarem seu luzídio pescoço o primeiro que lhe chegava com uma conversa tão amarga de tragar! E Termites, enfurnados sabe-se lá em quais de suas gavetas, também tinha seus caprichos. Escaldada, sentindo cheiro ruim naquela comida, deu mais um gole na aguardente que pedira. Desarmada, disse entender o que dela queria homem tão nobre, sabia de todas as vantagens que ele tinha, mas afirmou sem insolência, embora inclemente, que melhor seria seguir para sempre mal instruída, caída e sem cobres do que tornar-se perdida. Depois, engolindo os arranhões e revéses que guardava em litros de dissabores, por fim disse, afogando o arrogante pretendente por todos os mais de mil orifícios dele e atraindo para aquele canto todos os olhares e ouvidos que antes se faziam de sonsos e de moucos: “Aqui não, violão! Onde queres sopa, sou dura, bruta feito chão! Arreda e procura outra!”

Marcelino Lima, 9 de outubro de 2023, 17h20, São Roque, SP.

Marcelino Lima é jornalista profissional formado pela PUC-SP e editor do blog Barulho d’Água Música, dedicado à produção independente. Divulga gratuita e exclusivamente músicas de artistas populares, de viola, de raiz, folclóricas e regional com trabalhos pouco conhecidos ou já consolidados e de qualidade que poderiam ter maior destaque na mídia comercial.