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Salvaram-se as violetas

Marcelino Lima*

Depois de forte estio vernal cá para as bandas onde se planta uvas e se colhe alcachofras, sucedeu ao calor torrencial sucessivas precipitações tórridas que provocaram estragos consideráveis. Uma delas, mais do que atrasar o lado de quem zerara a conta para curtir o feriadão da Cidinha em família sob sol e cerva, assando panceta e pichanha e dando um tchibun, varreu como pó o que encontrou. A maioria das plantinhas sobre o muro na varanda foi a pique, se samambaias suspensas por ganchos presos a pitões atarrachados em buchas 10 cravadas nas colunas de concreto por pouco não levantaram voo, parte dos prendedores não segurou o tranco e a roupa lavada voltou a rolar pela lama. Deu-se, enfim, um cenário com muita tranqueira e trecos espalhados pelo quintal trazidos por enxurradas — quadro típico resultante destes eventos extremos. Em meio a folhas e galhos, restou sujeira apinhada. Mas curiosamente, ao fim da procela, um recipiente com mimosas e minúsculas florezinhas roxas exibia-se intacto, como se a borrasca para eles não tivesse sido mais do que um ventinho benfazejo.

Entre telhas e vasos caídos, salvaram-se as violetas. E nem se pode dizer que o tempo tenha sido solerte, “virado” sem dar na cara: afora as nuvens carrancudas como bolsominions com prisão de ventre, quem estava em dia com os ouvidos escutou cigarros emitirem seus agudos xavecos a atrair fêmeas para um lesco-lesco em troncos, rochas, onde estivessem lá onde é bom, no meio do mato! Precedida por ventanias, a ira de São Pedro agalou bairros, derrubou postes, fez bater porteiras, entortou painéis publicitários, desmanchou barrancos; ante tamanho volume pluviométrico, onde rios e córgos não se formaram, invadiram ruas, estradas, vielas e becos. Piscinas transbordaram, árvores ruiram e crateras rasgaram calçadas como se papel fossem, danificaram e engoliram veículos cujos incautos motoristas ou proprietários estavam parados ou os estacionaram na hora errada e no lugar errado. Santa Bárbara, São Jerônimo! E ainda teve os cabruns: valei-me as velas, os ramos bentos! Cubra os espelhos com lençois, menino: tire este relógio, não pise descalço o chão e se agarre ao terço!


Forte temporal –
Sobre o dorso do cavalo
pétalas de jacarandá.


Tarde de primavera –
Já com o pelo avermelhado
Vaga o potro na chuva.

#haibun

* Marcelino Lima é jornalista profissional formado pela PUC-SP e editor do blog Barulho d’Água Música, dedicado à produção independente, reside na Estância Turística de São Roque. Divulga gratuita e exclusivamente músicas de artistas populares, de viola, de raiz, folclóricas e regional com trabalhos pouco conhecidos ou já consolidados e de qualidade que poderiam ter maior destaque na mídia comercial.