Paisagens Invisíveis ou um abraço nas águas
Juliana Gobbe
O conceito “paisagem” é estudado em diversas áreas, pois normalmente as paisagens dividem-se em 5 categorias, a saber: Natural, cultural, dinâmica, estática e nem natural, nem cultural. No último domingo, no espetáculo Paisagens invisíveis, a artista Taiana Ferraz nos mostrou um sexto tipo de paisagem: a do corpo que toca. Sim, mais que olhar é preciso sentir, mais que o falar acelerado, talvez precisemos reinventar o silêncio. E é nele que encontramos alguém indo ao encontro das águas.
O rio Atibaia, torna-se então, lugar silencioso de milênios de esperas. Há aí o compasso do tempo, marcando firme a mudança que o transborda. Neste rio, invisibilizado pelos maus-tratos diários aos quais é submetido, ainda há espaço para a poesia de sentir.
Conectada ao universo dos espelhos, Taiana, além de olhar, procura o reflexo do velho céu numa imersão solitária em busca de captar os muitos sentidos das águas.
Embrenhada na força dos orixás, como oxum, a artista também mostra sua fertilidade em tecer emoções. Em cada movimento, um pacto com o que se vive e não para de se diluir.
O corpo confunde-se com a paisagem, vivendo-a intensamente, como quem se despede do ontem e passa a morar no agora.
Taiana é ciente desses caminhos e os percorre com maestria, dominando músculos, exaurindo a carne, vertendo água. Há neste espetáculo uma artista que conhece seus processos, no entanto, não cansa de reinventá-los como prova de que é possível fugir do óbvio tão presente na dança contemporânea. Há nela um mover-se para encontrar-se e encontrar o outro e isso é o que a diferencia.
No espetáculo o público também contou com a necessária acessibilidade, através do Coletivo Desvio Padrão. A talentosa Mariana Farcetta fez a audiodescrição ao longo do evento. A trilha sonora de André Raimundo também nos chama a atenção e nos envolve para os espaços corporais. O figurino de Taiana, produzido por Ana Mi é uma espécie de continuação fluída de um rio sempre nascente.
O Casarão Júlia Ferraz, palco de grande parte da história de Atibaia, acolheu neste domingo uma de suas filhas, cuja trajetória luminosa, podemos prever por seu talento. Salve Taiana Ferraz! Salve o rio!
* Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim, À esquerda do Império (2017) e Os primeiros tempos da literatura atibaiense (2024). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso”, os coletivos Abraço Cultural, Kalúnia e participa do Coletivo André Carneiro.
As imagens são de Karina Iliescu