CulturaExclusivasNotícias

A farsa do açúcar queimado ou a mulher que virou pudim

Juliana Gobbe

A vida cultural paulistana, pós-pandemia, tornou-se um importante termômetro para delícias e desastres. Na primeira opção, encontra-se: A farsa do açúcar queimado {ou a mulher que virou pudim}.

O convencional traçado da história brasileira dá-se, sobretudo, pelo viés da heroicidade. Homens brancos, pertencentes às elites encabeçam as fileiras dos vencedores. Vitórias questionáveis, pobremente presentes nos livros didáticos. Não há espaço aí, para os argumentos fincados no pensar dialético.
O Brasil Colônia foi um mar sangrento, mas o que nos chega é a glória jesuítica sobre os “selvagens” e, principalmente sobre as mulheres, perseguidas, difamadas, tratadas como ornamento, através da histórica objetificação de corpos. Como afirma, Sílvia Frederici, os homens vão tecendo ao longo dos séculos, as vestes e características que tornariam as mulheres, as velhas ou modernas “bruxas”.

Desse modo, tornamo-nos “mães”, “esposas”, trabalhadoras”, “cuidadoras” e o tempo todo, manipuladas, seja pela mídia ou patriarcado.
A diretora Ana Souto encontra aí um caminho interessante para a peça em questão. Debater, além disso, satirizar com muita habilidade, a presença da mulher na sociedade, atravessada por um percurso histórico, repleto de contradições.

Em Cultura e Opulência do Brasil (obra editada em 1711), o discípulo de Antônio Vieira, mais conhecido como Antonil, pouco se importou com a vida difícil dos escravizados, no entanto, compadeceu-se do tortuoso processo pelo qual sofria a cana-de-açúcar ao passar pela moenda. Homens como este, brilhavam no cenário intelectual à época.

O contrário acontecia às mulheres, quase sempre analfabetas e, envoltas nas intempéries da pobreza ou da pobre riqueza. No espetáculo, estas questões são tratadas de modo a causar a ojeriza, o riso e ao mesmo tempo a reflexão no público.

A farsa do açúcar queimado ou a mulher que virou pudim é grito, para que o passado não se repita, no presente e no futuro. Bravo!

Juliana Gobbe é Doutora em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Autora de Óculos de Marfim e À esquerda do Império (2017). Coordena o blogue “Tecendo em Reverso” e os coletivos Abraço Cultural e Kalúnia. As imagens são da autora.